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13 julho 2015

Não quer ajudar, não atrapalha

É sempre a mesma coisa. 

Quem não faz nada pra mudar o mundo está sempre muito empenhado em provar que a pessoa que faz alguma coisa está errada

Primeiro todo o mundo põe um filtro arco-íris no avatar. Depois vem uma onda de gente criticando quem trocou o avatar. Depois vem a onda criticando quem criticou. Em seguida começam a criticar quem criticou os que criticaram. Nesse momento já começaram as ofensas pessoais e já se esqueceu o porquê de ter trocado o avatar, ou trocado o nome para guarani kayowá, ou abraçado qualquer outra causa.

Toda batalha pode ser ridicularizada. Você é contra a homofobia: essa bandeira é fácil, quero ver levantar bandeira contra a transfobia. Você é contra a transfobia: estatisticamente a transfobia afeta muito pouca gente se comparada ao machismo. Você é contra o machismo: mas a mulher está muito mais incluída na sociedade do que os negros. E por aí vai. Você é de esquerda, mas não doa pros pobres? Hipócrita. Ah, você doa pros pobres? Populista. Culpado. Assistencialista.

Cintia Suzuki resumiu bem: "Você coloca um avatar coloridinho, aí não pode porque tem gente passando fome. Aí o governo faz um programa pras pessoas não passarem mais fome, e aí não pode porque é sustentar vagabundo (...). Moral da história: deixa os outros ajudarem quem bem entenderem, já que você não vai ajudar ninguém".

Todo vegetariano diz que a parte difícil de não comer carne não é não comer carne. Chato mesmo é aguentar a reação dos carnívoros: "De onde você tira a proteína? Você tem pena de bicho? Mas de rúcula você não tem pena? E das pessoas que colhem a rúcula, você não tem pena? E dos peruanos que não podem mais comprar quinoa e estão morrendo de fome?"

O estranho é que, independentemente da sua orientação em relação à carne, não há quem não concorde que o vegetarianismo seria melhor para o mundo, seja do ponto de vista dos animais, ou do meio ambiente, ou da saúde, ou de tudo junto. O problema é exatamente esse: alguém fazendo alguma coisa lembra a gente de que a gente não está fazendo nada. Quando o vizinho separa o lixo, você se sente mal por não separar. A solução? Xingar o vizinho, esse hipócrita que separa o lixo, mas fuma cigarro. Assim é fácil, vizinho.

Quem não faz nada pra mudar o mundo está sempre muito empenhado em provar que a pessoa que faz alguma coisa está errada - melhor seria se usasse essa energia para tentar mudar, de fato, alguma coisa. Como diria minha avó: não quer ajudar, não atrapalha. 

*****
Gregorio Duvivier

5 comentários:

  1. Nossa Beth, adorei!

    Eu sempre lembro da fábula de La Fontain, O velho, o menino e o burro. Um velho e um menino seguiam pela estrada montados num burro. Pelo caminho as pessoas com as quais cruzavam apontavam para eles e faziam comentários ora indignados, ora sarristas... Eles foram trocando na esperança de agradarem as pessoas, um a pé o outro montado, os dois a pé, mas não tinha jeito, fosse de que modo fosse as críticas não paravam.
    Acho que as pessoas precisam ser mais convictas, ter mais segurança e seguir com a sua vida. Os consultórios de psiquiatras e psicólogos estão cheios de gente que chega um ponto na vida e simplesmente percebem o óbvio: não viveram, não sabem quem são, não sabem pq fazem ou deixaram de fazer determinadas coisas. Passaram a vida tentando agradar gregos e troianos, ao invés de se juntar às pessoas com quem tinham real afinidade. E sim, isso é difícil. O caminho não é glamoroso, as palmas são apenas de uns gatos pingados, mas a solidão não existe. Os amigos dá para contar pelos dedos, mas são verdadeiros e assim permanecem pela vida. Mas, como eu falei, na nossa sociedade isso não é fácil, sobretudo na juventude, entretanto conforme se vai avançando na idade vai se sentindo o gosto da vitória. Saber que vc foi fiel às suas convicções, aos seus valores, falou sim e não todas as x que desejou e não para ser aceito pelo grupo, não tem preço. O lucro é enorme.
    Claro que tem horas que a revolta é grande e não dá para ficar calado, acaba-se comprando atritos e desafetos por remar contra a maré. E isso cansa também. Mas há discussões saudáveis, em que as pessoas trocam opiniões e isso é ótimo, claro quando o tom é amigável, porque de repente podemos enxergar algo que não enxergávamos antes, sob uma nova perspectiva. Seria realmente ótimo se o tom fosse assim, sempre harmonioso, mas não tem como administrar egos e vaidades, sobretudo se a humildade falta. Muito!

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  2. Esqueci: Ia falar, no comentário anterior, que adoro Porta dos Fundos e não sabia que o Gregório Duvivier era colunista da Folha. Bom saber!

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  3. Chorando de rir de tantos contras. Fui pesquisar no google pra saber o que era o tal do transfobia, nem sabia que existia. Sou contra tudo isso kkkkk.
    Bjus

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  4. Oi Angolana!
    Que bom que você gostou.
    Carla,
    Gostei muito do seu comentário.
    Sim, às vezes o "lucro" vem exatamente da manutenção das nossas convicções frente às barreiras que o mundo nos apresenta, e da passagem do tempo que não nos sucumbe.
    O que mais admiro em você, é a sua coerência de pensamento.
    Beijo e obrigada por ter vindo.

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  5. Oi Lucia,
    Fico imaginando você chorando de tanto rir...
    Essa sua alma leve serve de exemplo para mim.
    Beijo amiga.

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