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21 outubro 2014

Sempre desconfiei de amores que precisam ser provados

Sobre as provas equivocadas de amor.

Sempre desconfiei de amores que precisam ser provados. Porque os amores verdadeiros que conheço estão subentendidos. Nota-se nos olhos, no modo como se pronuncia o nome um do outro, na importância que se dá aos menores detalhes.

Amores genuínos não precisam ser referendados publicamente, porque até um cego pode vê-lo. Os amores verdadeiros dispensam contratos, alianças e status de relacionamento nas redes sociais. Embora, muitas vezes, nada prove que ele está ali, ninguém se atreve a duvidar.

Tenho visto, entretanto, gente que transforma a relação em um verdadeiro inferno em nome desta certeza incompreensível de que amor que é amor precisa ser provado – pra si mesmo e para o mundo. Principalmente para o mundo. 

Gente viciada em exagero, em protocolos inúteis e em atenção.

A concepção moderna de amor é tão absurdamente controversa que as mais ridículas provas de amor são, também, as mais corriqueiramente valorizadas: tatuar o nome do companheiro em letras garrafais, mandar um buquê com 174 rosas vermelhas – de preferência pro trabalho, porque quanto mais pessoas souberem o quanto você é amado, melhor – trocar o status de relacionamento do Facebook, excluir o nome do (a) ex da agenda…

Um milhão de atitudes inúteis, frágeis e descartáveis que não servem para absolutamente nada além de provar até onde pode ir a insegurança humana.

E que tamanha tortura deve ser um relacionamento em que tudo precise ser provado, referendado, autenticado e registrado em cartório – para ambas as partes. Que agonia imensa deve ser ter que acordar todos os dias tendo que pensar – entre um stress do dia-a-dia e outro – no que fazer para provar o tal amor. E que desassossego sem fim viver se perguntando se o outro realmente te ama só porque não te mandou bombons no aniversário de um ano e sete meses de namoro, ou simplesmente porque não estava em um bom dia pra rir das suas piadas.

Que tristeza deve ser viver um amor sempre posto à prova, sempre tão incerto e intranquilo.

Sempre que vejo atitudes tão desnecessárias, costumo duvidar de que ali, de fato, haja um amor genuíno, cuja existência poderia ser notada sem que precisasse ser atestada o tempo todo.

Porque, se nem mesmo quem protagoniza a relação consegue percebê-la com clareza – a ponto de precisar de infinitas comprovações – é incoerente que a relação seja bem-vista por olhos estranhos. E se a beleza do amor – que está nas coisas mais simples – não pode ser percebida por quem julga senti-lo, é provável que ele sequer exista.

Porque o amor se prova tacitamente, na sutileza do cotidiano: na forma como se cuida do outro quando ele adoece, como se atura o mau-humor, a distração, os defeitos. No modo como se fala – e, principalmente, no modo como se ouve. A cumplicidade é abstrata e só pode ser captada por quem de fato a compreende e a vivencia – sem buquês caros e descartáveis ou tatuagens de gosto duvidoso.

Só sei que apenas os amores sutis me convencem: amores sem conveniências, rituais obrigatórios, rótulos ou provas exageradas. Amores que apenas existem pra quem interessa, e que, na beleza das pequenas gentilezas, apenas se deixam acontecer.

*****
Atriz por vocação, escritora por amor e feminista em tempo integral. Adora rir de si mesma e costuma se dar ao luxo de passar os domingos de pijama vendo desenho animado. 
Texto publicado no DCM.

Um comentário:

  1. Amor de verdade não precisa ser provado, pois é um fato notório a todos que presenciam.

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