Não nos confins de Minas, mas em Itabirito, perto de Ouro Preto. Mas nem em Itabirito, lá no Amarante fui encontrar o mais jovem dentista do Brasil. Praticante desde os 18 anos, o doutor Geraldo, hoje com seus inaparentes 70 anos, exerce a odontomedicina há 52 anos, desde o dia em que o dentista da cidade decidiu abandonar o seu posto e voltar para a cidade grande.
“Eu era o mais jovem cliente da loja de materiais odontológicos de Belo Horizonte”, regozija-se o doutor Geraldo, flautista da banda da cidade, tiradentes de profissão e, nas horas vagas, o médico da cidade.
O doutor Geraldo também arrumava relógio de parede e rádio de válvula. Mas, depois que os anos se passaram, foi totalmente consumido pelo seu trabalho na saúde. Seu meio de transporte era a bicicleta. Pedalava pelos morros de Amarante para aplicar injeções, soros e trocar curativos. Não cobrava nada pelas visitas domiciliares. Às vezes, recebia um frango ou um queijo – “e já era mais do que bom”.
Não tinha tempo bom nem ruim. Todos os dias eram de trabalho árduo e mal remunerado. O que para muitos poderia parecer uma desgraça fez com que o esbelto doutor Geraldo encontrasse a felicidade nas histórias que tem para contar. Uma vez, precisou aplicar soro num caboclo todos os dias, ao longo de um mês inteiro. Terminadas as visitas, recebeu apenas um “muito obrigado. E um pedido de carona.
Depois de tanto dente arrancar, recebendo de um cliente ou outro, conseguiu comprar um fusca ano 1962. Foi o primeiro carro da região. Mesmo mal remunerado, o doutor Geraldo era um dos mais bem-sucedidos profissionais da região.
Casou por ali mesmo. Hoje apresenta os filhos, netos e bisnetos com orgulho, todos com saúde e à volta dele. O que mais quer um homem de família?
O doutor Geraldo formou-se dentista apenas 20 anos depois de se iniciar no ofício. Ainda trabalhou por mais 32 anos e fez a prótese de quase todo mundo que passava à sua frente.
Mas a cidade boa ficou para trás. Antes, todo mundo se conhecia. Agora, poucos vizinhos se falam. O detalhe é que essa conversa se travou no aniversário de 1 ano do Tales, filho da Camila. Mais de 200 pessoas compareceram, e parecia que a cidade toda estava por lá. De todo modo, o mundo inteiro parece estar pior.
Há 50 anos, Amarante era uma cidade promissora. Tinha um time de futebol, uma farmácia, uma banda e o dentista. Só faltava um médico. O competidor mais próximo era o cunhado, que mexia com ervas como ninguém. Tinha erva para tudo, menos para alucinações. Lembra o doutor Geraldo que o primeiro caso de drogas foi sabido na região há menos de 20 anos. O homem das drogas era curandeiro mesmo, e dos bons, só que cobrava caro, mas não em dinheiro: depois da cura ficava lembrando o paciente e a população do feito. Neste nosso tempo chamaríamos de assessoria de imprensa.
Chegou-se então à mesa o Tio Santinho, que à época comprou um táxi para levar e trazer o povo para se tratar na capital. Logo o táxi virou uma ambulância. “Mas o empreendimento não durou muito”, reclama o Tio Santinho, que não precisa explicar o apelido. Os clientes não tinham dinheiro para a corrida. Nem para comprar o remédio prescrito. Lá ia o Tio Santinho, no transporte, à farmácia e de volta ao sítio, cada vez com menos dinheiro.
Não dá para entender como essa gente viveu tanto de ar, de “obrigados”, dando sem receber e continuando com tanta saúde. Numa época em que a bondade virou “terceiro setor”, devendo ser autossustentável, não se descobre a fórmula do sucesso. Aquela caboclada está lá, feliz da vida, rica, sem sentir falta de nada.
A ciência ainda tem muito que aprender com a simplicidade dessa gente, que há décadas tem a fórmula do elixir da felicidade, enquanto nós, do futuro, gastamos bilhões para encontrar o antidepressivo perfeito.
Rogério Tuma
Carta Capital