"De uma forma ou de outra, Sarney e você estiveram, estão, e estarão do mesmo lado".
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Política e políticos, males necessários.
Ao contrário do que muitos possam imaginar, eu não gosto de política. Já gostei, mas isso foi em um tempo em que eu acreditava que, junto a outros jovens pelo mundo à fora, podíamos renovar o planeta e salvar a Humanidade.
Hoje, não gosto dos caminhos da política, o que não significa que seja apolítico, pois isso seria a negação de mim mesmo como cidadão. Aliás, aprendi a perceber que aquele que se diz apolítico geralmente é de direita, ou seja, é um ser político como qualquer um de nós, com ideologia e posicionamentos conservadores (estou evitando a palavra reacionários). A turma da classe média que andou nas ruas em junho – antes do fenômeno dos Black Blocs - , por exemplo, dizia questionar a política, mas estava ali com um propósito político bem determinado...
Não gosto dos caminhos da política, mas considero-a um mal necessário. Sem ela, prevaleceria apenas o arbítrio, a barbárie, a primitiva lei do mais forte, o caos enfim. Não se interessar por ela é fazer como o avestruz, que enfia a cabeça no chão para não ver as consequências do perigo pressentido. Não sei quanto ao avestruz, mas nós, humanos, se agirmos desse modo corremos o risco de ter a cabeça decepada...
Então, ficamos assim: não gosto da política, mas continuo me interessando por ela. Um paradoxo, talvez, mas para mim faz sentido. Quando fechamos os olhos para os fatos políticos, condenamo-nos à cegueira diante da realidade que nos acompanha no cotidiano e facilitamos a vida daqueles oportunistas que, de olhos bem abertos sempre, estão permanentemente dispostos a fazer valer interesses que não são os nossos.
Essas considerações vêm a propósito de reflexões que um dia desses me peguei fazendo sobre um dos maiores símbolos da política nacional nos últimos cinquenta anos. Refiro-me a José Sarney. E não se assustem, porque ainda não enlouqueci a ponto de fazer um texto laudatório sobre o Sarney. Pelo contrário, penso que ele simboliza muito do que rejeito na política, principalmente nos campos da ética e da ideologia.
O fato, porém, é que o homem é emblemático. É difícil encontrar um brasileiro que, nas últimas cinco décadas, não tenha estado, em algum momento, do mesmo lado que ele, no campo político.
Essa característica camaleônica do político maranhense simboliza, a meu ver, o maior dos males do processo político no Brasil.
-Se você é daqueles que chama o golpe de 1964 de “revolução” e considera que o país foi libertado pelos militares de um iminente golpe comunista, certamente esteve, e muitos anos, do mesmo lado do Sarney, uma das grandes expressões civis da ditadura, que chegou , inclusive, a presidir a Arena, partido de sustentação do arbítrio que vigorou entre nós durante vinte anos, naquele arremedo “democrático” que os militares nos impuseram.
-Se você, porém, batalhou anos a fio pela queda da ditadura no país, colocando sua mente e seu coração a serviço da derrubada do regime militar, certamente houve um momento em que, constrangido ou não, ficou ao lado de Sarney, o vice na eleição indireta de Tancredo, em uma aliança que ajudou a construir a volta dos civis ao poder.
E muita gente então – não sei se você – acabou aceitando a fatalidade de ver José Sarney como Presidente da República, em uma espécie de exemplificação do ditado “dos males, o menor”. Muitos assumiram neste país as funções de “fiscal do Sarney”, quando foi posto em prática um daqueles enganosos planos econômicos que valeram ao maranhense, por alguns meses, grande prestígio entre os brasileiros.
-Se você se indignou com o governo Collor e foi adepto da deposição desse presidente, esteve, direta ou indiretamente, no mesmo campo em que se colocou José Sarney, alvo principal da campanha collorida à Presidência. Mas se acha que Collor foi injustiçado no processo do “impeachment”, deve ter aprovado, tempos depois, as declarações de Sarney que considerou o fato um mero “acidente” na história nacional.
-Se você é chegado a um tucano, deve ser grato a Sarney pelos oito anos de apoio que ele deu aos mandatos de FHC, como um dos sustentáculos políticos de então. Mas, se seus santos não combinam com o tucanato e pendem para o petismo, aí o caso é de reconhecer que Sarney tem sido um “aliado” dos governos Lula e Dilma, dentro desse estranho espectro político que se convencionou responsabilizar pela chamada “governabilidade”.
Finalmente, qualquer que seja o seu candidato à Presidência da República nas próximas eleições, de uma coisa você já pode ter certeza: se ele vencer, você e o Sarney estarão do mesmo lado...
Isso tudo exemplifica como é, realmente, difícil gostar da política. Mesmo assim, é preciso, e infelizmente, ter uma grande disposição para engolir sapos, porque essa coisa fascista que anda por aí, de negar total representatividade aos políticos, pode ser a perigosa antessala de algo muito pior...
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Rodolpho Motta Lima
Advogado, professor de Língua Portuguesa, militante político nos anos da ditadura e colunista do Direto da Redação.