Venceu
o Festival de cinema de Berlim
"Hoje
eu quero voltar sozinho” é uma história de descoberta do amor
profundamente comum, como muitos clássicos da antiga Sessão da
Tarde – provavelmente, ele próprio se tornará um desses clássicos
– se fanáticos religiosos não dominarem o país.
É
de uma beleza simples, colegial, que lembra “As melhores coisas do
mundo” ou “Antes que o mundo acabe”, nada parecido com as high
schools dos enlatados de Hollywood. Não sei se o clima nessas
escolas dos Estados Unidos é aquele mostrado nos filmes, mas os
nacionais nesse tema me parecem quase sempre muito melhores.
Talvez
“Hoje eu quero voltar sozinho”, também não seja só mais um
filme adolescente, ainda que também não, um filme para adultos.
Tirando as cenas em que Léo, o adolescente cego interpretado
brilhantemente por Guilherme Lobo, aparece se masturbando, poderia
ser considerado um ótimo filme para toda família.
Talvez
cortem algumas cenas e passe ainda muitas vezes na televisão. Talvez
a televisão já não tenha mais tanto poder e as novas gerações
nem conheçam a Sessão da Tarde. Quem sabe o filme ainda cause
desconforto em pessoas sensíveis demais ao amor entre pessoas do
mesmo sexo. Ma,s “Hoje eu quero voltar sozinho” venceu o festival
de Berlim porque trata disso com uma simplicidade genial.
Nada
nele é pesado, explícito ou trágico. Mesmo o preconceito é
apresentado com uma leveza poucas vezes vista. Léo quer fazer
intercâmbio para não ter que lidar com a saída de um armário, que
tende cada vez mais a desaparecer, mas ainda existe, ainda que não o
afete tanto quanto afetou gerações passadas. E mesmo o recente
“Brokeback Mountain”, nesse ponto, parece um filme de época ou
de uma cultura distante.
Quem
sofre a maneira dos cowboys para viver o próprio desejo, já parece
um tanto exagerado ou fraco demais, ao menos nos lugares que a nossa
própria cultura considera mais civilizados. Mas os cowboys de
“Brokeback…”, pelo contrário, eram fortes, em um ponto de
civilização ainda bastante bárbaro ou dominado por religiões
dogmáticas, que os deuses, querendo ou não, veem agora se
transformar. Na Rússia ou na Nigéria talvez ainda causem muita
identificação, bem menos na Escandinávia, e incompreensíveis
seriam à Grécia Antiga.
“Hoje
eu quero voltar sozinho” apresenta o Brasil em sua parte mais
próxima da Escandinávia. Os personagens são ricos e bem educados,
a hostilidade do preconceito já se mantém abaixo do nível
criminal. Tão abaixo que os personagens podem escolher ignorar
comentários maldosos e dar as mãos na saída da escola sem medo de
apanhar ou serem assassinados por isso. Podem simplesmente escolher
não ouvir e nem enxergar o que já não deveria mais existir.
Responder apenas com deboche ou compaixão pela estupidez alheia. Ser
tão feliz quanto qualquer pessoa.
É
ao mostrar gays simplesmente felizes e cegos à maldade, às cores ou
à culpa que “Hoje eu quero voltar sozinho” ainda pode incomodar
bastante a alguns. Para esses, Valesca ensina mandar beijinhos no
ombro.
Ps:
antes de ver o filme, vale a pena assistir ao curta “Eu não quero
voltar sozinho”.
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DCM/Londres