Sem que quase ninguém perceba, chega a mulher aparentemente invisivelmente.
Ela vem, quase todos os dias, dia após dia. Só não vem quando está doente.
E é na Esplanada, no espaço público entre dois Ministérios, cheio de banquinhos, árvores, banca de revista-lanchonete e muitos servidores públicos almoçando ou aproveitando o horário de almoço,
... Que ela chega...
Deve ter em torno de umas sete décadas de vida. É baixinha, tem a pele escura e com certeza nunca precisou fazer dieta para emagrecer.
Vem sempre na hora do almoço, acompanhada dos seus dois sacos plásticos, para coletar tudo o que puder ser aproveitado para uso pessoal e reciclado.
Após muito observar, resolvi estabelecer uma aproximação. Um pouco acanhada entabulei uma conversa meio atravessada...
*****
... Boa tarde... Há algum tempo eu venho observando a senhora... Confesso que estou curiosa para saber porque sempre aparece por aqui na hora do almoço. Inicialmente ela não me deu muita bola, mas esboçou um sorriso. Foi a deixa para eu continuar...
... Boa tarde... Há algum tempo eu venho observando a senhora... Confesso que estou curiosa para saber porque sempre aparece por aqui na hora do almoço. Inicialmente ela não me deu muita bola, mas esboçou um sorriso. Foi a deixa para eu continuar...
- Não sabia que a “senhora” me olhava... Aqui ninguém “vê eu...”
E a senhora vem de onde?
Sim, mais porque na hora do almoço?
- É que antes de chegar aqui já passei em “muitos lugar”. E é nessa hora o lixo daqui é “mior e mais rico...” Os pessoal daqui, que é muito rico, joga muitas coisa fora... Eu cato e vou me embora. Só num cato comida porque isso tenho em casa.
*****
Ela se vai e eu fico pensando que a visão que cada de nós temos do mundo, depende do modo e da forma que nos inserimos nele, ou, nele somos inseridos.
Enquanto a senhora que precisa catar lixo pra sobreviver acha que o servidor que frequenta aquele espaço é rico, o servidor que frequenta o local comumente se acha o ente mais injustiçado na face da terra. E do alto do seu frágil status, ele pensa e verbaliza (já ouvi e muito): pertenço a uma categoria especial.
E ontem, mais uma vez, essa categoria especial ficou indignada por ter que compensar as horas não trabalhadas pela diminuição do expediente, em função da Copa do Mundo.
-Compensar, nem pensar. Receber, sim.
E ontem, mais uma vez, essa categoria especial ficou indignada por ter que compensar as horas não trabalhadas pela diminuição do expediente, em função da Copa do Mundo.
-Compensar, nem pensar. Receber, sim.
E de tão especial, não consegue enxergar aquela mulher, que com certeza, não é nada invisível.
-Coisas da Esplanada
-Coisas da Esplanada