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Clarice Lispector: Um apurado olhar de repórter

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Além dos limites do texto

Clarice de Cabeceira, organizado por Aparecida Maria Nunes, recupera uma espécie de fazer jornal que só pertence a Clarice Lispector.

É jornalismo de autor. Coloca-se em xeque a chamada “linguagem jornalística”, do senso comum e da instrumentalização ideológica. Mesmo ao buscar parâmetros, tentando encontrar um ponto de equilíbrio entre o “jornal” e o “público de jornal”, a redatora atinge simplesmente o leitor, aquele que lê literatura e depara com ela nas corriqueiras páginas dos periódicos. Mineirinho está presente, obra-prima da crônica brasileira. Fala de um marginal, a linguagem da escritora se impõe e nós temos não uma especulação oca sobre a personagem e sim um movimento investigativo da própria realidade, ou das muitas realidades humanas.

Em outro instante, quando ela redigia a coluna destinada às mulheres, sobre cosméticos, se delineia um delicado retrato de Sarah Bernhardt, muito além das exigências dos patrocinadores daquele espaço. Uma pequena peça literária sobre a beleza produzida e a visada pessoal através das mãos da atriz ao se maquiar. Sara, dessa maneira, permanece inatingível, além do consumo, uma ilusão capaz de revelar o ilusionismo de mercado oferecido pela marca de cosméticos. Se Clarice viola os supostos padrões da linguagem jornalística, ela reconfere ao texto publicado em jornal a experiência de conhecimento que a move, ao redigir, por exemplo, uma nota sobre o método eficaz de matar baratas, quando ela inocula o texto com o poder aterrador que o inseto exerce sobre tanta gente. Quer dizer, eliminar baratas seria como tentar eliminar aquelas bolinhas que perseguem o solteirão Blomfield, de Kafka. Baratas, enfim, não são exatamente baratas. Esse poder revelador da linguagem de Clarice sempre intrigou. Melhor e mais difícil do que atribuí-lo a algum desajuste do “estrangeiro” (maneira mesquinha, preconceituosa) é encarar o estranhamento universal que ela provoca.

Com base nas pesquisas de Aparecida Maria Nunes, Clarice esteve longe de ser uma amadora em jornalismo. Publicou ao redor de 450 colunas para as mulheres, sobre moda, beleza, feminilidade, culinária, educação, etc. Só aí, cinco mil textos. No meio aparecem trechos ficcionais – por si uma clara contestação dos limites impostos ao texto jornalístico, enriquecendo-o pela subversão. Artigos, contos, notas, confissões fictícias ou não, vêm classificados conforme o veículo onde saíram. Excelente material para os cursos de jornalismo e profissionais.

Deve-se atentar para a coletânea de entrevistas feitas pela escritora. Ela conversou com Nelson Rodrigues, Elke Maravilha, Antônio Callado, Tasso da Silveira, Alzira Vargas, etc. Personagens menos e mais interessantes, porém conta o modo Clarice e sua compulsão em abrir uma brecha nos universos particulares. Observa-se nelas o diálogo não de pergunta e resposta apenas, mas entre duas interrogações, uma diante da outra: entrevistador e entrevistado. Sem teorias, na prática rasa, o que conta. No final é o leitor diante de si mesmo. Por isso, as entrevistas e outros textos do volume merecem ser retirados das catacumbas e recolocados em circulação. Linhas aparentemente inúteis, isto é, “competentes”, obedientes às normas, confrontam-se com os questionamentos implícitos e explícitos, o lirismo que vem à tona, a exposição dos absurdos. Leitura urgente, sobretudo hoje, com o mundo dominado pela superstição da competência.
(CLARICE LISPECTOR (1920-1977)

Ubiratan Brasil, do Estado de S.Paulo

1 Comentário:

Alguns acham a maior movi mentalista feminina de todos os tempos...Clarice queria a democracia somente? Acho que não.

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