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Mamãe, por que a dona Irene já é velha?
Publicado por Beth Muniz
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Das palavras impróprias
Perguntou-me ele, naquele momento das conversas profundas e desconcertantes da volta da escola. A indagação foi feita em voz relativamente alta, enquanto a vizinha passava por nós indo depositar o lixo na portão. Olhei pra trás, constrangida, com medo de que ela tivesse ouvido, e minha primeira reação foi responder que não é assim que se diz, que ela poderia se ofender se escutasse.
Ele me disse, assustado: "mas, eu só perguntei por que dona Irene é velha!"
E foi só isso mesmo. E claro que não deveria ser ofensivo. Mas, como explicar que pra algumas pessoas ser chamada de velha pode ser confundido com indelicadeza? Ou que não é toda pergunta que se faz? E que temos que respeitar os tempos dessas pessoas, já que não é mesmo fácil escapar dessa dança das cadeiras moderna que, às vezes, cria eufemismos pra nomear o inevitável? Ou retardá-lo? As pessoas ficam velhas.
A gente, se não morre antes, envelhece, caramba!
A Eliane Brum tem um texto lindo sobre o assunto que diz:
"Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados - idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas 'ido', aquele que já foi. Velho é - e está".
Então, como dizer que, embora possa soar indelicado, não deveria sê-lo? Chamar alguém de velho não deveria ser grosseria, xingamento. Querer saber por que ela envelheceu tampouco (é até belo, pelo tanto de significado que possui). E que também para ele a velhice chegará (seguida da morte, mas, isso é outra história...), e que isso não deve ser razão de temor. Ou vergonha.
E como tornar tudo isso simples para uma criança de 5 anos, naquele átimo de segundo que dura sua expectativa de resposta?!
Olha, tarefa difícil essa de educar.
*****
Vanessa Rodrigues
Jornalista, contadora de causo, co-fundadora da Casa de Lua
2 comentários:
A velhice é um estado de repouso e de liberdade no que respeita aos sentidos. Quando a violência das paixões se relaxa e o seu ardor arrefece, ficamos libertos de uma multidão de furiosos tiranos.
Platão
Bravo!
Silmes, esta é uma das mais belas definições que eu já li sobre a velhice.
Aliás, saiba que adoro ler os seus comentários, em diversos temas.
E não tem nada a ver o fato de pensarmos alinhadamente, quase sempre. Mas sim, pelos conteúdo sempre tão adicionante em termos de conteúdo, emoção e realidade.
Valeu!
Mesmo!
Beijo.