Segundo Plutarco.
Por incrível que pareça, há maneiras saudáveis de lidar com nossos inimigos.
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Plutarco (66 – 120), grego de Queronéia, é objeto de admiração como grande biógrafo. Ele escreveu Vidas Paralelas, um clássico no qual comparou personalidades similares da Grécia e de Roma; os generais César e Alexandre e os oradores Cícero e Demóstenes, para citar dois exemplos. Sabe-se que o dramaturgo Shakespeare se inspirou na obra de Plutarco para compor alguns de seus dramas históricos. E que o ensaísta Montaigne utilizou as histórias narradas por Plutarco para fazer a maior parte de suas reflexões filosóficas.
Mas Plutarco foi mais que um biógrafo. Ele sofreu a influência da escola estóica, fundada pelo grego Zenão, caracterizada sobretudo pela consideração do problema moral, em que o equilíbrio deveria ser o ideal do sábio. Escreveu belos tratados de conduta moral que ainda hoje podem ser lidos. Alguns podem ser facilmente encontrados no Brasil. A editora Martins Fontes juntou dois deles num só volume de pouco mais de 120 páginas, numa edição caprichada. Ambos são atuais, como toda obra filosófica de primeira categoria. Um deles mostra como distinguir bajuladores e amigos. O outro fala como se deve lidar, da melhor forma possível, com os inimigos. O título dado pela editora, baseado neste último, é irresistível: Como Tirar Proveito de Seus Inimigos.
Plutarco não traz uma visão malandra, como se pode pensar numa primeira e rápida leitura do título, mas decente, sábia, e nem por isso menos útil. Ele recorre a outro filósofo grego, Xenofonte, para dar início a seu pequeno ensaio: “É próprio de um homem ponderado tirar proveito de seus inimigos”. E depois cita mais um pensador grego, Diógenes, para mostrar o coração, a alma de sua tese: “Como me defenderei contra meu inimigo? Tornando-me, eu próprio, virtuoso”.
Os inimigos, reflete Plutarco, como que nos obrigam a andar pela linha reta, uma vez que seus olhos estão continuamente sobre nós, ávidos por captar nossas faltas e propagandeá-las. Eles exercem uma espécie de censura benigna sobre nós. Impedem-nos de sermos moralmente frouxos. É ai que tiramos proveito deles, segundo Plutarco. “A inveja de nossos inimigos é um contrapeso à nossa negligência”, diz ele. “Além disso, nós nos vingamos utilmente de um inimigo afligindo-o com o nosso aperfeiçoamento moral”.
Plutarco recomenda generosidade com os inimigos. Ele cita uma história exemplar. César, numa das guerras civis romanas, derrotou Pompeu, a quem sempre admirou. Uma de suas primeiras ordens foi para que fossem reerguidas as estátuas derrubadas do grande general batido e morto. Disse sobre isso Cícero a César: “Ao reerguer as estátuas de Pompeu, você consolidou as suas”.
O aperfeiçoamento moral de que tanto fala Plutarco incluía um esforço dedicado e paciente para louvar os inimigos e evitar rancor diante de seu sucesso. O que há de mais belo nesse esforço, como ele destaca, é que assim ficamos cada vez mais longe da inveja do sucesso não apenas dos nossos inimigos – mas sobretudo dos nossos amigos.
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Camila Nogueira