A simples presença nas divisões da utopia pode apaziguar as consciências, mas não muda as peças no tabuleiro da história.
Uma das mais promissoras bandeiras do nosso tempo é a que aponta que outro mundo é possível. É um princípio de esperança, de uma antevisão otimista de futuro, de uma aposta capaz de mover os homens e mulheres em direção a uma vida melhor para todos.
Num tempo em que os valores aparentemente vitoriosos apontam para o aprofundamento da desigualdade, destruição da natureza, consumo como índice de felicidade e enfraquecimento das ações coletivas, o impulso em direção à mudança é uma tarefa ética.
Assim como os antigos gregos propunham que o bem e o belo são a mesma coisa, os novos gregos nos lembram que o bem e o justo precisam estar sempre do mesmo lado. Só o que é bom para todos pode ser proveitoso para cada um.
O sonho que alimenta a vida individual dos milhões de militantes de todos os matizes não sustenta por si só a nova sociedade, a ser feita de justiça social, participação e liberdade. A simples presença nas divisões da utopia pode apaziguar as consciências, mas não muda as peças no tabuleiro da história. É preciso ir adiante. Está na hora de dar carne e vísceras aos projetos de transformação social.
A luta política à esquerda é feita quase sempre de duas ações complementares: a necessidade de compreender o mundo e identificar a raiz de suas relações alienantes e injustas; e a ação consciente para transformar as circunstâncias desumanizantes que comandam a sociedade. É preciso lutar para saber e saber lutar.
Por isso, no atual momento político – em que as perspectivas de enfrentamento parecem cada vez mais pulverizadas –, talvez seja importante retomar a dimensão global da crítica ao modelo de capitalismo que se estabelece no planeta como a consagração de uma verdade única. Em cada contexto particular há uma batalha a ser travada, uma guerrilha a ser fortalecida, uma possibilidade de mundo popular e fraterno a ser elevada à realidade.
Outra divisão de renda é possível, tirando de quem amealhou privilégios históricos e partilhando de forma solidária a riqueza social. Outra política é possível, resgatando a força participativa da democracia direta. Outra narrativa histórica é possível, enfrentando a lógica do pensamento único.
Outra comunicação social é possível, em respeito à liberdade real e à expressão plural da sociedade e de suas vozes, resgatando o potencial crítico do jornalismo. Outra cultura é possível, livre, popular e contestadora, sem se curvar aos indicativos da alienação, da superficialidade e da venalidade.
Outra resposta às necessidades de serviços públicos é possível, conjugando universalidade, equidade e qualidade de atenção em saúde, educação e transporte e habitação. Outra relação com a natureza é possível, preservando a vida, garantindo a qualidade da relação com o planeta e promovendo uma renovação da noção de desenvolvimento e riqueza. Outra ética das relações humanas é possível.
Outro mundo é possível. Mas não está garantido. Todo o esforço político consequente e libertário é uma forma de combater a ditadura do mesmo.
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João Paulo Cunha é jornalista e editor do caderno de Cultura do Jornal Estado de Minas.