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Você acha “empoderamento” uma palavra feia? Vou citá-la 18 vezes neste texto

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Tenho lido e ouvido muita gente boa por aí cismando com a palavra empoderamento. Certamente, gente empoderada que já não PRECISA dela – ou nunca precisou. Gente que nasceu empoderada ou que ainda não se deu conta de que na verdade ainda não se empoderou.

Afinal, qual a origem desse termo? Ao que tudo indica, o psicólogo norte-americano Julian Rappaport foi o primeiro a enfatizar a ideia, em 1977, de que é preciso empoderar certos grupos para desenvolver a qualidade de vida do entorno social ao qual estão conectados. O educador brasileiro Paulo Freire subverteu um tanto o conceito, propondo que são os próprios grupos que devem empoderar-se a si próprios. E esta noção vingou.

No ano 2000, a declaração da ONU para o novo milênio incluiu o empoderamento das mulheres e a igualdade entre gêneros como “meios eficazes para combater a pobreza, a fome e a doença e de estimular o desenvolvimento de uma forma sustentável”. Nos últimos anos, as feministas têm utilizado com frequência o conceito de empoderamento, gerando ainda mais antipatia em alguns setores da mídia e da intelectualidade.

A explicação para a rejeição sem dúvida está na expressão “poder” embutida nela. Poder não é algo que vem de graça, é algo que se conquista, se disputa. Ninguém quer perder poder. E empoderar significa, claro, que alguém que não tem poder vai passar a tê-lo. Sobretudo, novamente lembrando Freire, quando se tratam de cidadãos historicamente oprimidos: mulheres, negros, LGBTs, pobres. Você acha mesmo que opressores vão deixar que oprimidos se empoderem, assim, sem mais nem menos, de uma hora para outra?

– Alto lá! Onde nós estamos? O Brasil não é bagunça, não! 

Meninos e meninas negras crescem assistindo na televisão pessoas iguais a elas sendo somente empregadas, copeiros, jardineiros; tendo como padrões de beleza pessoas brancas e de cabelo liso, isso num país mestiço como o nosso. Crescem sendo alvo da violência policial, que os pinça na multidão pela cor da pele; sendo vítimas do racismo, velado ou não, de patrões, colegas e até da família. Mesmo não sendo negro, é possível calcular a devastação que isto traz à auto-estima de alguém. Empoderar-se, para os afrodescendentes, é compreender a necessidade de lutar, de não aceitar passivamente as injustiças.

– Imaginem! Negros se revoltando contra a polícia que os mata. Isto seria a convulsão social! Os negros têm de se conformar que infelizmente parecem mais suspeitos do que os brancos. E que mal há em alisar aquele cabelo com produtos químicos desde a infância?

Mulheres crescem aprendendo que os homens são superiores e, ainda que não sejam ensinadas assim, um dia irão descobrir que os salários deles são superiores. Mulheres são vítimas de maridos violentos e têm medo de denunciá-los. Mulheres são mortas por companheiros e ex-companheiros. Mulheres sofrem bullying cotidiano (inclusive no trabalho) por não se adequar aos padrões de beleza impostos pela mídia. E quando são consideradas bonitas, são, lógico, “burras”. Pois quanto mais elas se empoderam, mais rejeitam a monotonia dos rótulos e a submissão ao homem. E obviamente não aceitam ganhar um salário menor pelo mesmo trabalho apenas por possuir vagina e não pênis.

– Vocês estão loucos? O que será das nossas famílias? Sempre foi assim e sempre funcionou. Feminista é tudo baranga! E para que salários maiores? Assim vocês vão quebrar as empresas! 
Gays e transexuais foram tratados ao longo dos anos como a escória da sociedade, proscritos que não podiam conviver com as pessoas normalmente, estudar, trabalhar, amar. Ter filhos. Sobretudo na última década, o empoderamento LGBT deu visibilidade aos homossexuais e transgêneros, mas a coisa não pára aí. Enquanto um só gay, lésbica ou trans do mundo continuar a sofrer discriminação, agressão e até morte por homofobia, o empoderamento não chegou ao fim. Principalmente no Brasil, campeão de assassinatos a homossexuais, e onde homofóbicos têm cadeira cativa no Congresso Nacional e na mídia.

– Casamento é homem e mulher! Criança com trejeitos tem que apanhar muito para consertar! É de menino que se torce o pepino! Lésbica é só uma mulher mal comida! Direitos humanos para travestis? Onde é que já se viu?

Os pobres são humilhados diariamente por quem está acima na pirâmide social e pela imprensa hegemônica, que só olha para eles na hora de fazer reportagens do tipo “mendigo gato”. As empregadas domésticas e os usuários do Bolsa Família que o digam. No discurso não-assumido dos “diferenciados”, é preciso colocar o pobre “em seu devido lugar”. Mas qual é o lugar do pobre? Viajar de avião, por exemplo, não podia. Frequentar faculdade também não. Todo este empoderamento tem visivelmente incomodado as classes sociais mais altas. Afinal, o pobre empoderado não leva desaforo para casa. Vem com teus preconceitos para o lado deles pra tu ver.

– Ah, aí já é comunismo! O aeroporto fica parecendo uma rodoviária! Comprar carro? Nossa, então é por isso que tem tanto trânsito! Foi o PT que inventou essa divisão idiota entre classes! 

Quem tem medo do empoderamento? Não seja ingênuo. Esta é uma das palavras que os conservadores adoram convencer você de que são chatas, bobas, anacrônicas. Tipo “ativismo”, “engajamento”, “politização”, “ideologia” –ou “socialismo”. Sabem por que fazem isso? Para que os oprimidos não lutem pelo que vale a pena lutar. Fazem isso para que se conformem, abaixem a cabeça. E ajudem a manter intocado o status quo que privilegia –adivinhem?– os poderosos.

Há atualmente uma inversão bizarra do que é ser inteligente e do que é ser otário: quem não questiona nada é inteligente e quem questiona é otário. Como pode? Desde quando conformismo é sinal de inteligência? É exatamente o contrário: conformar-se é sinônimo de burrice.

Empodere-se!

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