Um porão onde a capacidade para setenta pessoas era constantemente superada foi o epicentro da música independente paulistana nos anos 80.
Para comemorar os 30 anos do Lira Paulistana, o Sesc Ipiranga terá extensa programação entre a última semana de janeiro e primeira quinzena de fevereiro. Shows, rodas de conversa com os fundadores, mostra de cinema.
Quem não é de São Paulo ou não acompanha o cenário fora do mainstream talvez nunca tenha ouvido falar de grandes artistas saídos daquela portinha de pouco mais de um metro de largura no bairro de Pinheiros.
Por ali passaram em seus primeiros dias de vida artística Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e a Isca de Polícia, as afinadíssimas Suzana Salles, Vania Bastos, Tetê Espíndola, Ná Ozetti, Premeditando o Breque, Luiz Tatit, Rumo, Kid Vinil e a Banda Verminose, Ratos de Porão e Titãs. Ah sim, esse chegou ao mainstream.
Criado por Wilson Souto Jr, o “Gordo”, no finalzinho de 1979, o Lira Paulistana nasceu e viveu durante os anos finais da ditadura militar. O cenário cultural estava com tudo engasgado na garganta e precisando vomitar. Sim, os punks também passaram por lá.
Uma música tipicamente paulistana, que misturava humor ao rock, ao samba da Moóca, com críticas à censura, à ditadura, é o principal legado do Lira.
Tido como berço musical, o Lira Paulistana não se resumiu a isso. Várias linguagens artísticas se expressaram lá. Teatro, cinema, literatura. Além da gravadora, uma editora também existiu ali e um jornal semanal chamado Lira Paulistana deu espaço a nomes como Laerte, Glauco, Luiz Gê e Paulo Caruso.
São Paulo não costuma preservar fisicamente sua memória. Imaginou se o Cavern Club de Londres não existisse mais? Aqui tudo desaparece, tudo vira prédio ou passa a vestir uma roupa nova metida a besta. O Lira Paulistana é de um tempo em que o bar Riviera na rua Consolação não era o que é hoje.
Por isso a necessidade de resgatar a história através desses eventos como este agora promovido pelo Sesc. É fundamental para se conhecer um local e um período que influenciaram as décadas seguintes e que provavelmente estejam encontrando seu verdadeiro eco só agora, 30 anos depois.
O número de casas alternativas na cidade para apresentação cresceu consideravelmente — e elas devem ao Lira. Veja onde tudo começou. A programação completa também.
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Por Mauro Donato/DCM