Ter morrido 20 anos atrás, completados na última quinta-feira (25), não conseguiu fazer do escritor Caio Fernando Abreu alguém menos presente na cultura brasileira – pelo contrário. Sua presença, hoje, é tão forte quanto a de alguém vivo.
Nas redes sociais em especial, trechos de sua obra circulam massivamente.
É importante dizer algo sobre Abreu: ele é um ícone. Com seu estilo subjetivo e introspectivo, o gaúcho tem a habilidade de nos marcar profundamente com suas palavras, de nos deixar em estado de reflexão, como se o silêncio se fizesse repentinamente dentro de nós.
Nascido em 1948 na cidade interiorana de Santiago, próxima à Argentina, ele abandonou os estudos em letras e artes dramáticas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mudou-se para São Paulo em 1968, para fazer parte da primeira redação da revista Veja (naqueles idos, a revista estava longe de ser o panfleto de ódio que viria a se tornar anos depois).
Tornou-se dramaturgo, escritor de ficção, jornalista, tradutor, cronista e contista. Venceu três vezes o Jabuti, principal premiação literária brasileira, pelos livros Triângulo das Águas (1983), Os Dragões Não Conhecem o Paraíso (1988) e Ovelhas Negras (1995).
Abaixo, confira 6 motivos para celebrarmos a obra e o legado de Caio Fernando Abreu na literatura nacional:
1. Gay no período da ditadura, e daí?
Ele foi abertamente gay no período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil. Abreu se refugiou na chácara de sua amiga Hilda Hilst, também escritora, em Campinas (SP), por ser perseguido pelo governo. Em Morangos Mofados (1982), seu quarto livro de contos, ele fala abertamente sobre preconceito e violência contra gays e travestis, depois de se referir ao assunto por meio de metáforas e sutilezas, sob limites da censura.
2. Espiral de pensamentos e sentimentos
Sexo e sexualidade, solidão, angústia, nuances psicológicas, HIV, cultura pop, palavras simples, porém carregadas de emoção – tudo com o olhar infinito da subjetividade e da introspecção. Abreu exibiu seus pensamentos mais íntimos nas palavras.
3. HIV na literatura – sem medo para falar disso
breu descobriu ser portador do vírus HIV em 1994. Depois disso, mudou-se para a casa dos pais em Porto Alegre, onde se dedicou à jardinagem. Em 1996, ele morreu em decorrência de uma pneumonia e insuficiência múltipla de órgãos – o vírus já havia lhe enfraquecido bastante. Ele nunca escondeu que tinha HIV e é claro que tratou disso em seus textos, mesmo que nas entrelinhas.
4. Um hippie, um inconformado
O autor foi presente no movimento hippie e contracultural nas décadas de 1960 e 1970. A jornalista Maristela Bairros Schmidt disse, na ocasião da morte de Abreu, que a maior herança dele é “sempre ter sido aquele hippie extemporâneo inconformado com a hipocrisia”. O autor mochilou pela Europa, onde viveu em vários países, e se aprofundou na contracultura da época.
Sincero e contundente com as palavras, o escritor não pensou duas vezes antes de criticar, cara a cara, Rachel de Queiroz (1910-2003), autora do clássico O Quinze, por ter apoiado o golpe militar de 1964. Isso aconteceu no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1991.
6. Citações marcantes
“Te espero aqui onde estou, abismo, no centro do furacão.”
“Eu não me autoconheço. E tenho medo de me conhecer. Tenho medo de me esforçar para ver o que há dentro de mim e acabar surpreendendo uma porção de coisas feias, sujas.”
“Meu coração é o mendigo mais faminto da rua mais miserável.".
São poucos os escritores que têm a habilidade de colocar em palavras tão claras e simples sentimentos tão complexos.
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