Digamos que o "…e agora, James?" seja uma paródia do famoso poema de Drummond, "E agora, José?"
Quem deve também estar feliz neste momento é a rainha Elizabeth II. Mas por um motivo diferente daquela dos demais felizes. Afinal, ela não governa, apenas reina.
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Depois da até certo ponto surpreendente vitória do Brexit, A Saída, no plebiscito de 23 de junho, esta é a pergunta que não quer calar. Mas respondê-la não é nada fácil.
Em primeiro lugar, porque de fato ninguém sabe o que vai acontecer. Em segundo, porque na semana que antecedeu o plebiscito um certo otimismo, que se revelou fantasioso, tomou conta de todas as frentes do "Ficar", das bolsas e mercados mundiais aos líderes do trabalhismo britânico. Este otimismo foi insuflado por pesquisas de intenção de voto que se revelaram também fantasiosas. Comecemos por aí.
As pesquisas e os efeitos colaterais
Durante semanas, a maioria das pesquisas dava uma vitória apertada para o "Sair". De repente, o quadro virou. O estopim foi o assassinato da deputada trabalhista Jo Cox por um extremista de direita. As pesquisas passaram a dar uma vitória apertada para o "Ficar". Alimentava esta visão também uma campanha mais agressiva do "Ficar" sobre as ameaças do "Sair", pondo em risco empregos, devido à retração econômica que a saída inevitavelmente traria.
Por quê? Porque a saída vai mexer na estrutura das exportações e importações do Reino Unido para o continente europeu. O Reino Unido perde a posição privilegiada de membro da União Europeia e terá de se submeter às regras, que podem ser incômodas, da Organização Mundial do Comércio.
O medo
O medo foi o fator preponderante em ambas as campanhas. Do lado do "Ficar", o medo da eventual tempestade financeira e econômica que o "Sair" traria. Deste lado, mobilizou-se o medo da invasão das "hordas bárbaras": refugiados da Síria, da África e do Oriente Médio, além de imigrantes do antigo Leste europeu, ameaçando empregos e o establishment da classe média, sobretudo britânica.
A Europa desce aos infernos
Deste ponto de vista, ganhou quem semeou o medo mais eficaz. Olhando-se as fotos dos vencedores, tem-se a impressão de que venceram os parentes dos coxinhas brasileiros: os mesmos olhares arrogantes, o mesmo nacionalismo embandeirado, a mesma prepotência nos sorrisos superiores.
Mas não foi só isto: ao que parece, houve também muito voto pelo "Sair" oriundo de trabalhadores de baixa renda, que se sentem igualmente ameaçados pela invasão dos "concorrentes". O que corrobora a ideia de que, como nos anos 1930, o populismo de direita vem ganhando adeptos nesta faixa da população.
A surpresa e as confirmações
O "Ficar" ganhou na região metropolitana de Londres, na Escócia, na Irlanda do Norte, em Cambridge e Oxford (cidades do mundo acadêmico "high brow", de elite). Até aí, não houve surpresas. Mas o "Sair" ganhou no País de Gales, e isto foi uma surpresa. No interior britânico, ganhou o "Sair", o que não foi surpreendente. Mas a surpresa esteve no fato de que as diferenças de votos foram maiores do que as esperadas. Ganhou então quem aprofundou mais as diferenças. O comparecimento foi grande, 72,2% do eleitorado, o que favoreceu o voto pelo "Sair". Resultado: este voto venceu por mais ou menos 52 x 48%, 17,410 milhões de votos x 16,140 milhões. Diferença: pouco menos de 1,3 milhão.
As reações
Para variar, bolsas e mercados despencaram pelo mundo inteiro. A libra e o euro também caíram. Mas isso ainda não quer dizer muita coisa. Há muita especulação nestes movimentos e muita gente ganha dinheiro com isto, comprando aqui e vendendo ali, comprando e vendendo hoje e vendendo e comprando amanhã.
O Financial Times teve uma reação cautelosa, dizendo em um de seus artigos que ainda é cedo para falar em desastres. Já The Wall Street Journal e a The Economist foram mais enfáticos em lamentar o resultado. The Economist publicou comentário responsabilizando diretamente o primeiro-ministro, David Cameron, pela derrota do "Ficar" e suas consequências negativas.
Os infelizes e os felizes
Os infelizes são muitos. O primeiro-ministro anunciou sua decisão de renunciar. Se não for agora, apontou o prazo limite de outubro quando ocorrerá a convenção do Partido Conservador. Este se dividiu. Muitos de seus membros se inclinaram, mesmo que reservadamente, pelo "Sair", pressionados pela ameaça dos concorrentes no novo partido Ukip (Partido da Independência do Reino Unido), decididamente pró "Sair". Outro infeliz neste campo é o chamado chanceler (equivalente a um super-ministro da Fazenda ou secretário do Tesouro) George Osborne, que contava ser o sucessor de Cameron. Pode ser que isso ocorra, mas seu destino ligou-se tanto ao de Cameron que, caindo este em desgraça no PC, ele também poderá cair.
Deputados trabalhistas estão pressionando seu líder, Jeremy Corbin, para que renuncie, acusando-o de ter tido uma atitude tíbia em relação ao tema, aderindo apenas tardiamente à campanha do "Ficar", e sem entusiasmo. Corbin, visto como um populista pelo establishment trabalhista herdeiro de Tony Blair e sua "Terceira Via", esteve sob pressão desde sua escolha como líder, e esta pode ser uma oportunidade para o "Centrão" do partido retomar o controle.
Feliz está Nigel Farage, o líder do UKIP. Para ele este dia – 23 de junho de 2016 – deve ser comemorado como o Independence Day do Reino Unido. Resta ver se esta vitória redundará em vitória eleitoral para seu partido, pois tratam-se de coisas muito diferentes.
A lista de espera
Há uma longa lista de espera, dentro e fora do país. Dentro do país, o destino do atual Parlamento britânico está sub judice, politicamente falando. A maioria dos parlamentares apoiou o "Ficar", apesar das dissidências no Labour e entre os Tories. Ou seja, o atual Parlamento está em estado de divórcio com o eleitorado. O normal, numa ocasião destas, seria chamar novas eleições. A ver.
Fora do país a lista que corre ao muro das lamentações é enorme, dentro e fora da União Europeia. Mas há os eufóricos: Marine Le Pen, Gert Wilders. Este chegou a afirmar que seu país (a Holanda) fará o próximo plebiscito. É claro que as extremas-direitas de todo o continente estão felizes com o resultado. Mas ele trará consequências também para a Catalunha e o País Basco, na Espanha, que tem eleições gerais marcadas para este domingo (26).
Outro feliz com o resultado é Donald Trump, que desembarca na Escócia nos próximos dias.
Por falar em Escócia, a primeira-ministro escocesa, Nicola Sturgeon, anunciou sua disposição em promover um novo plebiscito sobre a independência em relação ao Reino Unido. Também há esta disposição na Irlanda do Norte, que vê agora uma oportunidade de se reunir à Irlanda. Ou seja, a saída do Reino Unido da UE pode significar o seu fim.
Uma felicidade à parte
Quem deve também estar feliz neste momento é a rainha Elizabeth II. Mas por um motivo diferente daquela dos demais felizes. Afinal, ela não governa, apenas reina.
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Flávio Aguiar, do Blog do Velho Mundo