Afirma a cineasta Tata Amaral: 'Mais do que aceitar, sociedade brasileira premia a tortura'
“O fato de nunca termos identificado, investigado, julgado e punido os torturadores faz com que a tortura continue sendo praticada na sociedade brasileira até hoje. Então, o que mais ecoa deste filme, é que nós aceitamos a tortura”, afirmou a cineasta Tata Amaral sobre sua obra mais recente, Trago Comigo. O longa retrata uma história fictícia mesclada com depoimentos de sobreviventes da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).
Traumas e lembranças mesclam-se no roteiro para evidenciar o conflito de gerações de uma nação que nunca curou as chagas de seu passado. “Como não fizemos nossa lição de casa, a tortura continua sendo praticada até hoje. Isso é o mais impactante. Quando a sociedade brasileira não pune, mais do que isso, ela premia. Esses criminosos são funcionários públicos, recebem dinheiro dos nossos impostos”, disse a cineasta em debate realizado ontem (23) após a exibição do filme na casa do Outras Palavras, na região central de São Paulo.
Ao lado de Tata, a jornalista Laura Capriglione (Jornalistas Livres) endossou a teoria da impunidade para torturadores que remanesce até os dias atuais. “O Brasil não acertou as contas com o passado. Repetimos esse passado todos os dias. Sabemos que a população negra, pobre e periférica não tem direito à defesa, é assassinada e torturada. A Polícia Militar se tornou a potência criminosa e assassina que é, durante a ditadura. Ela é fruto e herdeira direta desta época”, afirmou.
Laura recordou de uma história de sua experiência com a ditadura, traçando paralelos com ações do Estado diante da população periférica. “Eu morava no Brooklin na época e lembro de uma menina do PCdoB, chamada Maria Berta. Ela foi presa e desaparecida. A mãe dela gritava todas as tardes: 'Maria Berta, Maria Berta', e nós entendíamos Maria Aberta. De fato, é uma chaga aberta. Aquele grito desesperado e o silêncio no bairro continuam acontecendo. As periferias estão lotadas de mães gritando pelos seus filhos sem respostas para os desaparecimentos, para as mortes injustas.”
A falta de tratamento adequado dos crimes cometidos pelo regime militar é evidenciado na obra de Tata. O filme exibe relatos sobre tortura com personagens que viveram o fardo, como Amelinha Teles, Criméia de Almeida e Rita Sipahi. Ao citar nomes de torturadores, a cineasta optou por não suprimir as falas, mas por utilizar uma faixa preta na tela e o silêncio. O recurso estético, como explicou Tata, foi criado com a intenção de mostrar como a tortura tornou-se corriqueira no país.
“Tem um sujeito na história da tortura. Então, quando montei o filme e mostrei para meu advogado, ele me disse que muitos ainda não haviam sido julgados. Embora eu soubesse disso, não tinha juntado as coisas. Achei muito forte o fato de eles nunca terem sido responsabilizados”, afirmou. “A reflexão que fiz é que estamos colocando o fato para debaixo do tapete”, completou.
A sujeira vem à tona
Para os presentes no debate, mediado pela jornalista Inês Castilho, resquícios da ditadura não afloram apenas nas polícias militares. A polarização política da sociedade brasileira, especialmente após as eleições de 2014, trouxe o problema à tona. “O que estamos vivendo é um susto”, disse Laura. “É difícil acreditar no que estamos vivenciando. É duro acreditar que um cara como o Bolsonaro pode estar no Congresso”, afirmou em referência ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que, durante votação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) na Câmara, “homenageou” em seu voto o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido como torturador durante a ditadura.
"Bolsonaro não homenageou apenas o Ustra, o que já seria dramático. Ele homenageou o pânico de Dilma". Isso é uma loucura. É um susto pensar que essas pessoas perderam a vergonha na cara de ostentar as taras deles desta maneira. Até os ditadores tinham vergonha do que faziam. É um momento muito dramático”, completou a jornalista.
Entretanto, para Tata, a resistência também cresce em disputa ao pensamento atroz que relembra saudoso a ditadura. “Pensando no simbolismo desta época, acho incrível que a mulher na presidência da República é uma presa política. O ódio que esses caras têm da Dilma é uma coisa incrível. É uma revivescência daquele ódio de uma menina jovem, presa e barbaramente torturada (…) Não estamos falando apenas de uma militante, mas de uma militante mulher. Vemos uma ascensão do feminismo impressionante, que tem tudo a ver com a Dilma. Não é possível separar a defesa da legalidade democrática da defesa da mulher Dilma.”
Para Laura, esses fatos motivaram o afastamento da presidenta em 12 de maio, após votação de processo de impeachment no Senado. “Dilma está sendo discriminada por uma misoginia escrota, por um governo que teve a desfaçatez de montar um 'machistério', um governo que não teve a vergonha de fazer seu corpo de brancos, ricos e ladrões.”
Fonte: Rede Brasil Atual, RBA)))