O golpe, os golpistas e a crise moral da direita brasileira
Depois de usar os mais torpes instrumentos para levar o golpe a cabo, setores da direita se sentem um pouco constrangidos com o tipo de governo que saiu de tudo isso
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A direita brasileira já governou o país de distintas maneiras, mas principalmente através da ditadura civil-militar e de governos neoliberais – foram 21 anos de ditadura, mais 12 de neoliberalismo (Collor, Itamar Franco e FHC), aos que poderíamos agregar os cinco anos do governo Sarney. Um total de 38 anos, dos últimos 56.
Fizeram do Brasil o país mais desigual do continente mais desigual, um país violento, de concentração da riqueza, da terra, dos meios de comunicação, de uma elite egoísta e desnacionalizada, de um povo sofrido, humilhado, superexplorado, oprimido.
Jogaram tudo o que tinham para tentar voltar ao governo e, principalmente, cortar os governos que, por si, são uma acusação brutal de como essa elite nunca havia se preocupado com o povo, com o país, com a democracia. Conseguiram uma solução: o golpe com Temer, do qual não têm nada de que se orgulhar.
Um governo de corruptos, golpistas, medíocres, incompetentes, se propõe a realizar o que as manifestações de rua, promovidas por gigantesca campanha de mídia dos meios de comunicação, prometia: acabar com a corrupção, reunificar o país, pacificá-lo, reconquistar a confiança no governo. Que antes mesmo de existir, já havia provocado a eloquente expressão do juiz do STF, Luís Roberto Barroso: “Meu deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder!”
Quanto pudor na boca de um dos tantos instrumentadores do golpe, como se não soubessem com quem lidam cotidianamente, com quem negociar seus aumentos de salários! A quem acobertam com seu silêncio obsequioso.
Depois de usar os mais torpes instrumentos para levar o golpe a cabo, setores da direita se sentem um pouco constrangidos com o tipo de governo que saiu de tudo isso. Como se ele não fosse a cara das manifestações da direita na Avenida Paulista e de Copacabana. Como se ele não fosse a expressão direta da vergonhosa votação daquele domingo na Câmara de Deputados.
Derrotada quatro vezes sucessivas nas eleições presidenciais e com todas as possibilidades de ser derrotada de novo em 2018, a direita buscou atalhos para chegar ao poder. Tentou o questionamento da contagem eleitoral, tentou acusações de corrupção. Como nenhum deles vingou, apelou para a maioria parlamentar e a imposição, sem nenhum argumento que o justificasse, impor um golpe travestido de impeachment.
De uma operação torpe como essa só poderia sair um governo torpe como esse. Que tem na equipe econômica do ministro Henrique Meirelles, o fundo do seu conteúdo: reimplantar o modelo neoliberal, desmontando de novo o Estado, atacando os direitos sociais e os recursos para essas políticas. O resto é a equipe que a direita conseguiu agregar para levar seu projeto ilegítimo adiante.
Essa a cara atual da direita brasileira. Um núcleo que busca implantar o programa rejeitado pelos brasileiros e uma casca composta de uma corja de políticos envolvidos com corrupção.
Esse o projeto. Por mais que o revestissem com a casca da luta contra a corrupção, só conseguiram mobilizar a setores da classe média, que desapareceram das ruas, conforme o governo interino foi tomando corpo. Só podem implementar sua política por meio de um golpe.
Golpe pela forma institucional ilegal em que foi posto em prática, golpe por adotar um programa rejeitado nas eleições e também por, mesmo no interinato, tentar desmontar conquistas logradas ao longo de mais de uma década.
Essa a cara da direita brasileira. Moralmente derrotada, só pode se manifestar por meio de armadilhas institucionais, que revelam o caráter elitista do tipo de sistema político que sobreviveu até aqui.
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Emir Sader