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"E lá tem negros, na capital do Rio Grande do Sul?"

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Colônia Africana: como começou a remoção dos negros para a periferia de Porto Alegre
Dentro da capital do Rio Grande do Sul, o racismo está evidente em aspectos históricos da própria formação da cidade como conhecemos hoje. A remoção da população negra é um exemplo.

Sul 21 – "E lá tem negros, na capital do Rio Grande do Sul?". A pergunta que norteia a análise do pesquisador Marcus Vinicius de Freitas Rosa sobre racismo em Porto Alegre tem razão de ser. Brasileiros aprendem na escola (e com a ajuda do senso comum) a estabelecer uma forte associação entre o Estado e a presença de imigrantes europeus. Essa imagem de região "embranquecida" e "europeizada" é reforçada, ainda hoje, em reportagens dedicadas a noticiar ao restante do País o "rigoroso inverno" e as ocasionais "nevascas" sulinas. Retratado dessa forma, o Rio Grande do Sul – europeu, frio e distante – se contrapõe à imagem de um Brasil tropical e mestiço. 

Dentro de Porto Alegre, o racismo está evidente em aspectos históricos da própria formação da cidade como conhecemos hoje. Um exemplo é a remoção da população negra para áreas mais afastadas do reduto central. O Bairro Colônia Africana surgiu no final do século XIX como uma junção de territórios ocupados por populações oriundas do antigo sistema escravista. Mas muitas pessoas só ouviram falar dessa região como Bairro Rio Branco. O nome não vem em vão: após uma gradual invasão de imigrantes, a prefeitura concedeu, em 1959, o "branqueamento" nominal definitivo. Por sinal, a cargo de curiosidade, se você digitar "Colônia Africana" no buscador do Google, todas as opções abaixo corrigem o termo para "Bairro Rio Branco".

"A formação da Colônia se deu com a desagregação de uma sociedade que só via o negro como posse", explica Marcus. Naquela época, o que não era o Centro era considerado periferia. Em um espaço rural e bucólico, libertos encontraram oportunidade de se fixar em uma comunidade que lhes pertencesse. Segundo o pesquisador, assim, começou a se desenvolver uma sociedade peculiar, livre dos padrões tradicionais.


Comunidade do não-pertencimento

Marcus descobriu a Colônia Africana em crônicas de revistas e jornais da época. "Tinha uma ótima, sobre um suposto fantasma". Ele conta que, por volta de 1905, um homem era conhecido na Colônia por se fantasiar e assustar as pessoas da região. Após ganhar notoriedade, ele foi preso em sua residência. O que os oficiais não esperavam era encontrar um espaço de culto, com grande número de imagens e referências religiosas. "O sujeito era um pai de santo", conta Marcus.

Nesse período, a perseguição a religiões de matriz africana era difundida. Um padre designado para uma das paróquias da região (provavelmente ligada à Igreja Nossa Sra. da Piedade) era conhecido por arruinar referências deixadas nas ruas a religiões que não o catolicismo. "Ele se enfurecia pelos negros irem nas missas e continuarem tendo outras crenças". Marcus explica que, para eles, não existia ambiguidade. "Isso mostra a força da relação entre culturas; tanto faz se é espiritismo, umbanda ou catolicismo – o importante era poder transitar entre esses diálogos; coisa que a maioria não entende".

O não-pertencimento ao modelo branco fez com que a Colônia fosse sede do bem estar social negro em Porto Alegre. Ao não serem bem vindos nas agremiações e clubes de baile e estigmatizados pelo poder público, os moradores da Colônia fundaram suas próprias sociedades que ajudavam na manutenção do cotidiano. Assim, se focavam na amplitude das necessidades da comunidade: eram responsáveis pela alfabetização de seus sócios, pela agenda cívica, pelas festividades religiosas e, inclusive, pelos funerais.

Na última década dos anos 1800, a substituição da mão de obra escrava pela europeia mostrava-se clara e brutal em Porto Alegre. A Colônia então virou refúgio também para imigrantes pobres e longe do campo, que compartilhavam com os negros a realidade da exploração. Mas, apesar dos fatores que aproximavam esses dois grupos, registros policiais da época, final do século XIX e início do XX, indicam uma grande disputa de moradia que acabaria por separar brancos e negros.

"Pude concluir que o fato de eles compartilharem a vala comum da pobreza não significou que iriam ter boas relações – o critério da cor era determinante", afirma Marcus. O pesquisador conta ter se deparado com frequência com solicitações de expulsão de moradores – em grande maioria, referentes à expulsão de negros. "É o João, preto, morador da rua tal", descreve Marcus, afirmando que a cor era sempre acompanhada de uma série de adjetivos depreciativos. "São os vadios, os vagabundos, os não-civilizados, os sujos, os baderneiros, os barulhentos…". Surpreendentemente, quando um negro reportava um imigrante que não pagava o aluguel, por exemplo, não havia referência às características físicas do denunciado.

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Do Sul 21

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