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Água Benta, Social e Gerson: Coisa séria

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Cronica

Sexta-feira, 8 da noite. O Bar Bitúrico estava lotado. Andando entre as mesas podia-se ouvir cantadas fracassadas, mentiras deslavadas, gente xingando o patrão, reclamando da sogra ou discutindo política. Este era o caso de três amigos: Água Benta, Social e Gérson.

Gérson, na verdade, chama-se Redernílson, mas ninguém já nem lembra disso. Ele recebeu esse apelido porque fumava cigarro Vila Rica e vivia repetindo: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”

Água Benta passou a ser chamado assim quando entrou na igreja para parar de beber. Tornou-se evangélico, mas não largou totalmente a bebida: “Se Deus folgou no sábado, eu posso beber na sexta.”

Quanto a Social, há divergências. Uns dizem que é porque ele foi ascensorista por muito tempo. Outros, porque a única parte que lia dos jornais era a coluna social.

Gérson deu o pontapé inicial:

– E aí, em quem vocês vão votar para prefeito?

– Política e religião não se discute! Vou votar no bispo da minha igreja e pronto –, disparou Água Benta.

– Agora ele vai cobrar dízimo das empreiteiras –, comentou maldosamente Social.

Indignado, Água Benta contra-atacou: – Pode falar o que quiser, mas o bispo é melhor que os seus candidatos. E provocou: – Este ano você vai votar em cantor, atriz ou jogador de futebol?

– O Social vota pelo guarda-roupa. Por ele, quem tiver o melhor terno, ganha –, emendou Gérson.

– Em política tem que ter classe. Vou votar num pobretão que nem eu? –, devolveu Social. – E você, Gérson?

– Eu o quê?

– Vota em quem?

– Voto é secreto.

– Que nem a conta de seu candidato na Suíça, né? Vai votar nele de novo, que eu sei.

– Ele rouba mas faz.

– Fez o quê até agora?

– Ajeitou aquele cargo pra Matilde no almoxarifado da Câmara.

– Bem que o lema dele é “emprego para todos”. Para todos os amigos. Quantos processos ele tem mesmo? Mais de 20, né? –, cutuca Social.

Água Benta socorre o amigo: – Também não vamos exagerar. É que nem o bispo diz, “perfeito só Deus”. Quem nunca cometeu um pecado?

– Ô, garçom! –, gritou Gérson.

– O garçom nunca cometeu um pecado –, perguntou Social.

– Chope sem espuma é pecado –, disse Água Benta.

– Não. Estava chamando o garçom. E o meu candidato tem um monte de processos, sim. Mas alguém provou alguma coisa? Ô, garçom!

– O garçom provou?”

– Não, estou chamando o cara. Ele esqueceu da gente mesmo!

Todos fazem sinal para o garçom, mas ele passa alheio ao grupo, com aquele olhar perdido no horizonte que só os garçons e as modelos conseguem fazer. Água Benta volta ao assunto: – O problema é que brasileiro não sabe valorizar o voto.

– É verdade –, concordou Social.

– Mas comigo não tem isso –, disse Gérson, orgulhoso. – Eu valorizo muito o meu voto. Tanto que o deste ano vai valer um alvará pro meu negócio.

– Já que você vai vender o seu voto, pelo menos cobre adiantado. Antes da eleição é aperto de mão pra lá e cá. Depois? Um abraço! – alertou Social.

– É isso mesmo. Um sujeito que conheci num retiro da igreja no interior contou que está esperando até hoje o pé direito do tênis que prometeram pra ele – lembrou Água Benta.

– Quem prometeu?

– Jesus Cristo!

– Jesus Cristo?

– Não, foi uma exclamação. É que o garçom está vindo pra cá. Até que enfim!

O garçom chega à mesa. – E aí, vão de quê?

– Três chopes.

– Querem um tira-gosto?

– Traz o cardápio.

– É. Não escolho nada no escuro.

– Nem eu. Deus me livre e guarde!

– Tira-gosto é coisa séria.

*****
por José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV e blogueiro 

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