Cronista prolífico, autor de romances, ensaios, contos, peças de teatro, conferências sobre dança, moda, costumes e política. Um dos autores mais importantes do início do século XX no Rio de Janeiro: João do Rio, pseudônimo mais famoso de Paulo Barreto (1881-1921), é o autor homenageado da 22ª edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que será celebrada de 09 a 13 de outubro.
Negro e homossexual, escritor ficou conhecido por caminhar pela cidade, documentando grupos marginalizados da vida urbana.
Essa semana (23/6) será marcada pelo centenário da morte de Paulo Barreto, jornalista e escritor carioca também conhecido por um de seus pseudônimos, João do Rio. Popular por retratar o cotidiano do Rio de Janeiro, seu funeral foi um evento histórico: cerca de 100 mil pessoas compareceram, quase 10% da população da cidade em 1921.João do Rio trabalhou a vida toda em jornais e revistas. Pioneiro como repórter, criou um estilo de texto híbrido de literatura e reportagem, ficção e realidade. “João do Rio não separou jornalismo de literatura. Sua busca por transformar o ofício em grande arte é um convite a pensarmos no fazer literário em seu campo expandido”, diz Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip.
Foi dessa forma que ele mudou o modo de fazer jornalismo, fundando a crônica moderna. “Muito se diz que a crônica, como ela se deu no Brasil, é um gênero totalmente brasileiro. Vem um pouco da tradição do ensaio, claro, mas aqui ganhou pitadas de humor, de observação sagaz. João do Rio, como um dos pioneiros, foi além: registrou a história de uma cidade que se transformava, e não é exagero dizer que ele fez uma etnografia no início do século”, conta a curadora Ana Lima sobre o autor escolhido para a homenagem da Flip 2024.
Na sua observação das ruas e do povo, João do Rio fez coro com pensadores da passagem do século XIX ao XX que tinham a cidade como centro do pensamento, refletindo sobre o progresso, a velocidade, a formação urbana e as suas contradições. “Ele desempenhou um papel crucial ao documentar a vida urbana do Rio de Janeiro com uma perspectiva única e detalhada num momento em que a, então capital federal, se expandia de maneira desgovernada. Ainda hoje, o crescimento predatório faz parte da realidade de diversas cidades brasileiras, como Paraty. É com essa sensibilidade etnográfica, presente na literatura de João do Rio, que convidamos moradores e visitantes a estar no território que abriga a Festa”, comenta Munhoz.
O escritor, que conquistou uma vaga na Academia Brasileira de Letras aos 29 anos, era um personagem múltiplo e controverso. “João do Rio era e continua sendo uma figura contraditória. Por um lado, era fascinado por Paris, por outro, subia o morro do Rio de Janeiro com muito gosto, da mesma forma que o Rio era uma cidade dividida entre a fome de progresso e o convívio com sua formação”, aponta Ana Lima “Mas, ainda que tenha morrido famoso – seu enterro arrastou multidões –, permaneceu quase esquecido por mais de um século. A homenagem da Flip quer destacar essas contradições, justamente por ajudarem a explicar o Brasil”, completa.
Leitor atento e receptor das modas europeias, João do Rio foi um arguto cronista da Belle Époque carioca, narrando os salões e as recepções elegantes da alta roda – a elite que tentava se sofisticar e imitar os estrangeiros.
Ao mesmo tempo, quando deixa a redação do jornal para subir vielas, acompanhar manifestações culturais, observar de perto as habitações e os hábitos de uma cidade que se transformava vertiginosamente, João do Rio funda um modo de fazer jornalismo, numa espécie de etnografia pulsante, revelando ao leitor do jornal uma cidade que lhe era desconhecida.
João do Rio percorreu o mundo, colecionou admiradores e desafetos. Filho de pai branco e mãe negra, abraçou as polêmicas com coragem – desde mergulhar nas religiões de matriz africana, tão populares no Rio de Janeiro, até ser o responsável pela tradução e divulgação da obra de Oscar Wilde, o que levou a especulações sobre sua sexualidade Vestia-se como um dândi, arrumando brigas, despertando gargalhadas, mas nunca passando despercebido. Vítima de um ataque cardíaco que o impediu de completar 40 anos, deixou 25 livros e mais de 2.500 textos publicados em jornais e revistas.
Curadoria
Em uma época em que a imprensa brasileira publicava principalmente crônicas de cunho literário e pessoal, Barreto foi pioneiro de um estilo de escrita que ia às ruas para documentar a vida urbana. Em livros como “A alma encantadora das ruas” (1910) e “A vida vertiginosa” (1911), ele registrou as transformações do Rio, então capital do país, durante a Belle Époque.
Ele trabalhou para diferentes periódicos, entre eles o jornal Cidade do Rio, dirigido pelo abolicionista José do Patrocínio. Também escreveu contos, peças de teatro e um romance. Em 1910, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e, em 1920, fundou seu próprio jornal, A Pátria — menos de um ano antes de sua morte súbita por ataque cardíaco, aos 39 anos de idade.