Sala de espera.
Esse era o título original do filme de Lúcia Murat, diretora de Que Bom Te Ver Viva, que deverá entrar em cartaz, em Goiânia, em julho ou agosto. A realizadora optou, porém, por A memória que me contam. A produção cinematográfica tem no elenco Simone Spoladore, Irene Ravache e Franco Nero. Ex-guerrilheira, Ana, interpretada por Simone Spoladore, é o elo entre um grupo de ex-revolucionários que lutou contra a ditadura civil e militar no Brasil (1964-1985). Ela está em fase terminal em um quarto de hospital. Os seus amigos encontram-se na sala de espera. Entre eles, Irene (Irene Ravache), cineasta, que ainda "elabora" a prisão do marido Paolo (Franco Nero), acusado de matar duas pessoas em um atentado na Itália.
O filme é inspirado na vida de Vera Silvia Magalhães, estudante que integrou a Dissidência da Guanabara, depois MR-8, que participou da captura do embaixador dos EUA no Brasil, em 1969, Charles Burke Elbrick, foi presa, torturada, ficou com 37 quilos, acabou trocada por um diplomata alemão, viveu no exílio e morreu em 2007. Quem relata a sua história é o historiador Daniel Aarão Reis Filho, hoje na Rússia, de onde falou com exclusividade ao Diário da Manhã sobre os anos de chumbo. Leia a íntegra da entrevista:
DM - Lúcia Murat dedica o filme a Vera Silvia Magalhães: quem foi ela?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi uma grande mulher e uma grande revolucionária. Suas propostas revolucionárias, ao contrário da grande maioria de seus companheiros/companheiras, não se esgotavam na dimensão política, mas alcançavam também a esfera dos costumes, das relações pessoais. A rigor, o movimento revolucionário no Brasil dos anos 60, em contraste com que o aconteceu em alguns países da Europa e, sobretudo, nos EUA, não se caracterizava por um questionamento às tradições da "vida privada", ou seja, o complexo mundo das relações pessoais. Foi nesta esfera que Vera Silvia incursionava, quebrando tabus e concitando os/as companheir@s a pensar revolucionariamente suas vidas afetivas. Esta atitude, que a caracterizou até o fim de seus dias, suscitou muita incompreensão. Há muita gente que tenta esconder ou ocultar, ou não valorizar devidamente, esta dimensão da vida política da Vera, o que prejudica a compreensão de sua trajetória.
DM - Vera Magalhães era da Dissidência da Guanabara? O que era a DG?
Daniel Aarão Reis Filho - A Dissidência da Guanabara/DI-GB, a organização mais charmosa da esquerda revolucionária brasileira, surgiu no movimento estudantil do então Estado da Guanabara (desaparecido com a fusão com o "velho" Estado do Rio de Janeiro, um ato imposto pela ditadura nos anos 1970).
O filme é inspirado na vida de Vera Silvia Magalhães, estudante que integrou a Dissidência da Guanabara, depois MR-8, que participou da captura do embaixador dos EUA no Brasil, em 1969, Charles Burke Elbrick, foi presa, torturada, ficou com 37 quilos, acabou trocada por um diplomata alemão, viveu no exílio e morreu em 2007. Quem relata a sua história é o historiador Daniel Aarão Reis Filho, hoje na Rússia, de onde falou com exclusividade ao Diário da Manhã sobre os anos de chumbo. Leia a íntegra da entrevista:
DM - Lúcia Murat dedica o filme a Vera Silvia Magalhães: quem foi ela?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi uma grande mulher e uma grande revolucionária. Suas propostas revolucionárias, ao contrário da grande maioria de seus companheiros/companheiras, não se esgotavam na dimensão política, mas alcançavam também a esfera dos costumes, das relações pessoais. A rigor, o movimento revolucionário no Brasil dos anos 60, em contraste com que o aconteceu em alguns países da Europa e, sobretudo, nos EUA, não se caracterizava por um questionamento às tradições da "vida privada", ou seja, o complexo mundo das relações pessoais. Foi nesta esfera que Vera Silvia incursionava, quebrando tabus e concitando os/as companheir@s a pensar revolucionariamente suas vidas afetivas. Esta atitude, que a caracterizou até o fim de seus dias, suscitou muita incompreensão. Há muita gente que tenta esconder ou ocultar, ou não valorizar devidamente, esta dimensão da vida política da Vera, o que prejudica a compreensão de sua trajetória.
DM - Vera Magalhães era da Dissidência da Guanabara? O que era a DG?
Daniel Aarão Reis Filho - A Dissidência da Guanabara/DI-GB, a organização mais charmosa da esquerda revolucionária brasileira, surgiu no movimento estudantil do então Estado da Guanabara (desaparecido com a fusão com o "velho" Estado do Rio de Janeiro, um ato imposto pela ditadura nos anos 1970).
A organização desempenhou um papel chave na articulação do Movimento de 1968, sob liderança da União Metropolitana dos Estudantes (UME), liderada por Vladimir Palmeira. Outros lideres estudantis poderiam ser igualmente citados - Franklim Martins e Carlos Alberto Muniz, também da Dissidência da GB, Jean Marc Wan der Weid, da Ação Popular/AP, Marcos, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário/PCBR, entre muitos outros. Mas foi da DI-GB que surgiu a proposta política de encarar com seriedade e consequência as reivindicações do Movimento Estudantil, organizando-o pela base, autonomamente, o que, em larga medida, explica o crescimento exponencial do movimento. Vera Silvia fazia parte da direção da DI-GB para o movimento estudantil e transitava bem e com desenvoltura no meio daquelas "feras" revolucionárias, ajudando, e muito, a combater o machismo e outras "caretices" das lideranças estudantis. Num outro momento, em 1969, em virtude de suas qualidades, Vera foi escolhida para participar do primeiro grupo armado organizado pela DI-GB, e aí participou de várias ações armadas, inclusive, a da captura do embaixador estadunidense no Brasil, Charles Elbrick.
DM - Qual a sua participação no sequestro do embaixador dos EUA no Brasil Charles Burke Elbrick?
Daniel Aarão Reis Filho - O embaixador foi capturado (sequestro é um crime comum) em ação revolucionária, desfechada em 4 de setembro de 1969. A participação de Vera foi essencial no levantamento das condições em que vivia e transitava o embaixador. Teve habilidade e sangue frio para realizar este difícil trabalho, empregando apenas sua inteligência, viva e irreverente. Mais tarde, no lamentável filme de Bruno Barreto, foi apresentada a versão de que Vera transou com o segurança da embaixada para obter as informações. Uma - mais uma - vilania cometida pelo filme. No dia da ação, também esteve presente.
DM - De quais ações mais ela participou no MR-8?
Daniel Aarão Reis Filho - Ela participou de várias ações da chamada Frente de Trabalho Armado/FTA, da DI-GB, tomando parte, inclusive, em tiroteios com a polícia. Nunca deixou de fazer bonito.
DM - Quando foi presa, quanto tempo ficou na prisão, a que tipo de torturas foi submetida e quando deixou o cárcere?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi presa numa ação de agitação e propaganda realizada numa favela do Rio de Janeiro. Na época, estava bastante abalada com a morte de seu homem, José Roberto Spigner, assassinado dias antes pelos beleguins da ditadura. Presa, foi barbaramente torturada, mas aguentou todas as porradas com altivez e bravura.
DM - Onde foi seu exílio? O que ela fez fora do País?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi libertada por uma outra ação revolucionária, realizada em junho de 1970, quando ganhou a liberdade, num grupo formado por 40 revolucionários e 3 crianças, em troca da vida do embaixador alemão. O grupo voou para a Argélia, na época uma "plaque tournante" do movimento revolucionário internacional. Depois, Vera esteve em Cuba, participando daquele delirante treinamento proporcionado pelos cubanos. Ali, e mais uma vez, destacou-se com sua fina sensibilidade e ironia na necessária critica às concepções e métodos dos cubanos. Depois, Vera esteve na França e no Chile do Salvador Allende. Com a destruição da DI-GB (que, então, já adotara um novo nome - Movimento Revolucionário 8 de outubro/MR-8), ela passou os anos restantes do exílio na Suécia e em Paris.
DM - Quando ela retornou ao Brasil?
Daniel Aarão Reis Filho - Ela retornou ao Brasil depois da anistia, em 1980, indo residir no Recife, em Pernambuco, porque estava casada com Carlos Henrique Maranhão, com o qual, aliás, tivera um filho, em Paris. Mais tarde, separando-se do marido, veio morar no Rio de Janeiro.
DM - Era uma mulher bonita?
Daniel Aarão Reis Filho - Era bonita, porém, mais charmosa que bonita, mas que charme! Encantadora, afetiva, carinhosa, sempre dando força aos/às camaradas, um sentimento de solidariedade, uma disposição para compreender as pessoas em suas crises, permanente ironia, questionadora, inteligência brilhante, rápida. Não queria apenas mudar a economia e a vida política, mas também as relações pessoais. Estava muito na frente do seu tempo.
DM - Quem ela namorou? Ela foi sua namorada, Daniel Aarão Reis Filho?
Daniel Aarão Reis Filho - Quem não queria namorar a Vera Silvia? Era preciso estar muito desgostoso da vida para não querer namorar a Vera. Como muitos outros, me candidatei, mas fui apenas seu amigo, embora muito quisera ser mais do que isto, mas ela, infelizmente para mim, teve outras preferências.
DM - Quando ela morreu? Qual o motivo de sua morte?
Daniel Aarão Reis Filho - Acho que a Vera desapareceu de desgosto, de tristeza com a vida. Ela não conseguiu se adaptar ao rame-rame de uma vida não-revolucionária. Isto a fez definhar com o tempo. Foi perdendo o tesão pela vida... até que, um dia, desapareceu. Ficamos sós com sua partida.
DM - O cinema político ainda tem mercado?
Daniel Aarão Reis Filho - No Brasil, a vida não é mole para os cineastas. Para o cinema político, mais pesada ainda. Mas vale a pena. Penso que se deveria organizar melhor o circuito universitário e sindical. Há ali um grande interesse pelo cinema político.
DM - O que o senhor acha do cinema de Lúcia Murat, Silvio Tendler e Ken Loach?
Daniel Aarão Reis Filho - Gosto demais dos filmes do Loach e também da Lucia Murat. Já o Silvio Tendler, embora seja um brilhante cineasta, tem uma orientação mais "celebrativa"com a qual não concordo.
DM - Quando sai o livro sobre Luiz Carlos Prestes? Tem editora? Quantas páginas? Quais as principais revelações?
Daniel Aarão Reis Filho - Os originais serão entregues até o fim de setembro à Companhia das Letras, sem falta. Veremos. Quanto às revelações, estarão no livro.
DM - O que o senhor faz na Rússia?
Daniel Aarão Reis Filho - Estou na Rússia em viagem de estudos e de pesquisas. Estudo com afinco a língua de Pushkin e pesquiso as relações complexas entre os intelectuais e as revoluções russas. Interessa-me a trajetória comparada de I. Babel, Boris Pasternark e Anatoli Rybakov. Compreender melhor como caminharam os intelectuais, da empolgação pelas, ao desencanto com as, revoluções russas.
DM - O que o senhor anda lendo?
Daniel Aarão Reis Filho - Ando lendo textos destes três citados, e mais obras de A. Herzen e N. Tchernychevski, matrizes do pensamento revolucionário russo do século XIX.
Fonte: DM.com.br
DM - Qual a sua participação no sequestro do embaixador dos EUA no Brasil Charles Burke Elbrick?
Daniel Aarão Reis Filho - O embaixador foi capturado (sequestro é um crime comum) em ação revolucionária, desfechada em 4 de setembro de 1969. A participação de Vera foi essencial no levantamento das condições em que vivia e transitava o embaixador. Teve habilidade e sangue frio para realizar este difícil trabalho, empregando apenas sua inteligência, viva e irreverente. Mais tarde, no lamentável filme de Bruno Barreto, foi apresentada a versão de que Vera transou com o segurança da embaixada para obter as informações. Uma - mais uma - vilania cometida pelo filme. No dia da ação, também esteve presente.
DM - De quais ações mais ela participou no MR-8?
Daniel Aarão Reis Filho - Ela participou de várias ações da chamada Frente de Trabalho Armado/FTA, da DI-GB, tomando parte, inclusive, em tiroteios com a polícia. Nunca deixou de fazer bonito.
DM - Quando foi presa, quanto tempo ficou na prisão, a que tipo de torturas foi submetida e quando deixou o cárcere?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi presa numa ação de agitação e propaganda realizada numa favela do Rio de Janeiro. Na época, estava bastante abalada com a morte de seu homem, José Roberto Spigner, assassinado dias antes pelos beleguins da ditadura. Presa, foi barbaramente torturada, mas aguentou todas as porradas com altivez e bravura.
DM - Onde foi seu exílio? O que ela fez fora do País?
Daniel Aarão Reis Filho - Vera foi libertada por uma outra ação revolucionária, realizada em junho de 1970, quando ganhou a liberdade, num grupo formado por 40 revolucionários e 3 crianças, em troca da vida do embaixador alemão. O grupo voou para a Argélia, na época uma "plaque tournante" do movimento revolucionário internacional. Depois, Vera esteve em Cuba, participando daquele delirante treinamento proporcionado pelos cubanos. Ali, e mais uma vez, destacou-se com sua fina sensibilidade e ironia na necessária critica às concepções e métodos dos cubanos. Depois, Vera esteve na França e no Chile do Salvador Allende. Com a destruição da DI-GB (que, então, já adotara um novo nome - Movimento Revolucionário 8 de outubro/MR-8), ela passou os anos restantes do exílio na Suécia e em Paris.
DM - Quando ela retornou ao Brasil?
Daniel Aarão Reis Filho - Ela retornou ao Brasil depois da anistia, em 1980, indo residir no Recife, em Pernambuco, porque estava casada com Carlos Henrique Maranhão, com o qual, aliás, tivera um filho, em Paris. Mais tarde, separando-se do marido, veio morar no Rio de Janeiro.
DM - Era uma mulher bonita?
Daniel Aarão Reis Filho - Era bonita, porém, mais charmosa que bonita, mas que charme! Encantadora, afetiva, carinhosa, sempre dando força aos/às camaradas, um sentimento de solidariedade, uma disposição para compreender as pessoas em suas crises, permanente ironia, questionadora, inteligência brilhante, rápida. Não queria apenas mudar a economia e a vida política, mas também as relações pessoais. Estava muito na frente do seu tempo.
DM - Quem ela namorou? Ela foi sua namorada, Daniel Aarão Reis Filho?
Daniel Aarão Reis Filho - Quem não queria namorar a Vera Silvia? Era preciso estar muito desgostoso da vida para não querer namorar a Vera. Como muitos outros, me candidatei, mas fui apenas seu amigo, embora muito quisera ser mais do que isto, mas ela, infelizmente para mim, teve outras preferências.
DM - Quando ela morreu? Qual o motivo de sua morte?
Daniel Aarão Reis Filho - Acho que a Vera desapareceu de desgosto, de tristeza com a vida. Ela não conseguiu se adaptar ao rame-rame de uma vida não-revolucionária. Isto a fez definhar com o tempo. Foi perdendo o tesão pela vida... até que, um dia, desapareceu. Ficamos sós com sua partida.
DM - O cinema político ainda tem mercado?
Daniel Aarão Reis Filho - No Brasil, a vida não é mole para os cineastas. Para o cinema político, mais pesada ainda. Mas vale a pena. Penso que se deveria organizar melhor o circuito universitário e sindical. Há ali um grande interesse pelo cinema político.
DM - O que o senhor acha do cinema de Lúcia Murat, Silvio Tendler e Ken Loach?
Daniel Aarão Reis Filho - Gosto demais dos filmes do Loach e também da Lucia Murat. Já o Silvio Tendler, embora seja um brilhante cineasta, tem uma orientação mais "celebrativa"com a qual não concordo.
DM - Quando sai o livro sobre Luiz Carlos Prestes? Tem editora? Quantas páginas? Quais as principais revelações?
Daniel Aarão Reis Filho - Os originais serão entregues até o fim de setembro à Companhia das Letras, sem falta. Veremos. Quanto às revelações, estarão no livro.
DM - O que o senhor faz na Rússia?
Daniel Aarão Reis Filho - Estou na Rússia em viagem de estudos e de pesquisas. Estudo com afinco a língua de Pushkin e pesquiso as relações complexas entre os intelectuais e as revoluções russas. Interessa-me a trajetória comparada de I. Babel, Boris Pasternark e Anatoli Rybakov. Compreender melhor como caminharam os intelectuais, da empolgação pelas, ao desencanto com as, revoluções russas.
DM - O que o senhor anda lendo?
Daniel Aarão Reis Filho - Ando lendo textos destes três citados, e mais obras de A. Herzen e N. Tchernychevski, matrizes do pensamento revolucionário russo do século XIX.
Fonte: DM.com.br