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Dom Helder Camara, o arcebispo revolucionário

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Decidiu traçar um plano ambicioso e ao mesmo tempo muito ingênuo: se dedicaria ao máximo a acabar com as 150 favelas cariocas no prazo de 10 anos. Sua empreitada, iniciada em 29 de outubro de 1955, foi chamada de "Cruzada de São Sebastião".

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Em setembro de 1970, todos os jornais, rádios e canais de TV no Brasil receberam um comunicado do governo militar, informando que não deveria ser publicada nenhuma informação a respeito de um arcebispo de Pernambuco chamado Helder Camara. Estavam proibidos de falar bem ou mal dele. Essa foi a retaliação sofrida pelo arcebispo por denunciar fora do país a prática da tortura de presos políticos no Brasil. Tentavam condenar ao esquecimento um homem que desde pequeno sempre questionou os problemas do mundo e as regras impostas a todos.

Na década de 30, já ordenado como padre, Helder Camara acaba sendo atraído pela luta política da Ação Integralista Brasileira (AIB). Ele achava que a doutrina política do integralismo guiaria a sociedade para um destino melhor do que o comunismo soviético e o capitalismo americano. O integralismo surgia como a terceira via, que em vez de privilegiar somente a burguesia ou o proletariado, como faziam as outras duas doutrinas, trabalharia pela união entre os indivíduos das diferentes classes sociais e o catolicismo seria uma das doutrinas que ajudariam nessa integração.

Durante esse período, atuou como um dos grandes líderes do partido integralista do Ceará, fazia palestras, escrevia artigos nos jornais, organizou a Juventude Operaria Católica, criou a Liga dos Professores Católicos e um sindicato para as operárias e empregadas domésticas. Também ajudou a eleger muitos políticos que defendiam os interesses da igreja.

Com o tempo, o padre Helder foi percebendo que o integralismo não era a maravilha que divulgavam. Eles apoiaram regimes extremamente violentos como o fascismo e o Nazismo. Quando pessoas importantes resolviam sair do movimento integralista, elas eram perseguidas e algumas eram mortas. O próprio padre Helder, após sair do partido passou a ser perseguido e precisou fugir para não ser mais uma vítima.

A partir de 1935, o padre Helder atuou fortemente na Juventude Estudantil Católica, na Juventude Operária e em várias outras organizações católicas, dando palestras para milhares de jovens que vibravam com seu jeito impressionante de expor suas ideias.

Em 1947 criou o Secretariado Nacional de Ação Católica, que integraria nacionalmente todas as atividades das dioceses. Sua ótima atuação nesse secretariado fez com que ele fosse elevado ao cargo de monsenhor.

Helder Camara também trabalhou intensamente para a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Graças a esse trabalho, foi elevado ao título de bispo da igreja católica, em 1952, tornando-se o secretário geral dessa organização. Em 1964 se tornaria arcebispo de Recife e Olinda.

Helder Camara possuía uma influência política raríssima de se ver. Tornou-se amigo pessoal dos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Café Filho, Jânio Quadros e João Goulart.

Ele era tão admirado, que era comum ser elogiado tanto pelo governo quanto pela oposição. Toda essa influência faria com que realizasse obras inimagináveis, que o tornariam uma personalidade mundial.

Em 1955, Helder Camara organizou no Rio de Janeiro o Congresso Eucarístico Internacional, que reuniu padres, bispos, cardeais e peregrinos do mundo todo. Mesmo contando com muito pouca estrutura e recursos financeiros, ele moveu céus e terra para conseguir ajuda do governo e doações de empresas para a realização do evento, que foi um sucesso total, com repercussão por todo o mundo católico.

Durante o evento, o cardeal Gerlier da França, procurou Dom Helder para ter uma conversa que mudaria sua vida para sempre. O cardeal mencionou que Helder possuía um talento excepcional de organizador e que faria melhor uso desse talento trabalhando a serviço dos pobres, pois o Rio de Janeiro era uma cidade rodeada de favelas.

A partir desse dia, decidiu que todas as suas habilidades e sua influência seriam usadas para lutar contra a miséria e a desigualdade social. Decidiu traçar um plano ambicioso e ao mesmo tempo muito ingênuo: se dedicaria ao máximo a acabar com as 150 favelas cariocas no prazo de 10 anos. Sua empreitada, iniciada em 29 de outubro de 1955, foi chamada de "Cruzada de São Sebastião".

A primeira missão da cruzada seria construir 910 apartamentos para os moradores da favela da praia do pinto, no Leblon. A polêmica foi grande, pois Dom Helder queria que os apartamentos fossem construídos ali mesmo no Leblon, onde os imóveis eram caríssimos. Ele acreditava que a luta de classes poderia ser superada se ricos e pobres morassem lado a lado.

O presidente Café Filho, que passaria poucos meses no poder, prometeu ajudar a obra com 50 milhões de cruzeiros, mas o congresso só aprovou a liberação da verba para dali a quase 2 anos depois. Mesmo com esse impedimento, Dom Helder iniciou as obras, através de alguns grandes empréstimos no Banco do Brasil feitos graças a sua amizade com o presidente Juscelino Kubitschek.

Após um tempo, o dinheiro começou a ficar escasso, mas Helder conseguiu muitos recursos através da venda de terrenos doados pelo governo e doações de empresários. Nessa época, ajudar a cruzada daria grande visibilidade a qualquer um. O dom Helder era como se fosse a "Madre Tereza de Calcutá" do Brasil.

Com tantos recursos, além de construir os 910 apartamentos no Leblon e mais 46 no morro azul, pôde implantar grandes caixas d'água em 13 favelas, garantindo o acesso a água encanada. Construíram escolas com cursos regulares, profissionalizantes, supletivos e de alfabetização de adultos, além da instalação de rede de energia elétrica, esgoto, farmácias e alguns postos de saúde em várias favelas.

Mesmo após tantas realizações, a verdade logo veio à tona. Dom Helder não poderia jamais com sua Cruzada resolver o problema da miséria. Percebeu que por mais que ajudasse, a eliminação da pobreza só poderia ser alcançada se fossem eliminadas as condições que levavam essas pessoas à pobreza. Resolveu então que agiria politicamente para mudar as estruturas do sistema.

Passou a defender a reforma agrária em todos os lugares que ia. Na sua opinião, sem uma reforma agrária, os pobres do campo continuariam migrando para a cidade e aumentando as favelas. Dom Helder chegou a participar da comissão criada pelo governo João Goulart que estudava como poderia ser feita uma reforma agrária no país. O golpe militar de 64 abortou completamente essa iniciativa.

Ele aproveitou seu prestígio internacional e sua influência política para apoiar iniciativas de combate a pobreza e a desigualdade social. Dava muitas palestras, falava em programas de rádio e TV, escrevia para jornais e se reunia para discutir com o presidente, governadores e prefeitos.

Sua constante luta em favor dos oprimidos e sua crítica ao capitalismo, mesmo também criticando o comunismo, faria com que se espalhasse o boato de que ele seria comunista. Isso fez com que o cardeal que era seu superior o retirasse da arquidiocese do Rio de Janeiro, enviando-o para Pernambuco, longe de todos os que o ajudavam e de todas as obras que realizou.

Quando ocorreu o golpe militar de 1964, a cúpula da igreja católica, representada pela CNBB, deu apoio ao novo governo. Já Helder Camara preferiu se manter neutro para ver o que o governo iria fazer.

Rapidamente se decepcionou com o regime militar, ao notar que era apenas um governo de elite, sem qualquer sustentação popular. De vez em quando, ele emitia críticas bem suaves às condições de vida dos brasileiros. Mesmo que não citasse algum tipo de culpa por parte do governo, os militares ficavam revoltados com suas declarações e afirmavam que mais pareciam discursos comunistas. Já sofria uma pequena censura.

O apoio de Helder Camara ao governo seria muito importante para legitimá-lo perante a opinião pública. Por essa razão, exigiram que ele celebrasse as missas de aniversário da "Revolução Militar". No primeiro aniversário, para não celebrar a missa, usou como desculpas uma viagem ao Vaticano. No segundo aniversário tomou coragem e recusou o convite mais uma vez, provocando a fúria do General que chefiava o exército de Pernambuco, que só não fez um atentado contra ele porque o governo militar não queria de forma alguma prejudicar suas relações com o Vaticano.

As insinuações de que ele seria comunista aumentavam a cada dia, na imprensa, principalmente depois que Dom Helder, numa palestra realizada na França, em maio de 1970, resolveu denunciar os absurdos da tortura no Brasil. Chamá-lo de comunista era a estratégia para tentar retirar a credibilidade de suas palavras.

Depois desse dia, passou a ser ainda mais aclamado no mundo todo e odiado pelo governo militar, que através dos seus amigos na imprensa, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Gustavo Corção e outros, passaram a atacá-lo de forma incessante com os mais diversos tipos de adjetivos: aprendiz de ditador, bolchevista, líder comuno-nacionalista, arcebispo da subversão, bispo vermelho, Fidel Castro de batina, entre outros.

Quanto mais era atacado, mais forte se tornava para a opinião pública mundial. Se fosse morto, se tornaria um grande mártir. Por essa razão, em setembro de 1970, o governo militar resolveu fazer uma censura total à sua pessoa, após perceberem que o ajudavam até quando falavam mal dele.

Dom Helder foi indicado ao prêmio Nobel da Paz de 1970 a 1973, mas apesar de a opinião dos jornalistas pelo mundo ser a de que ele era o favorito absoluto ao prêmio, não conseguiu ganhar o Nobel em nenhum desses anos.

O canal de TV da Noruega NRK-TV fez um documentário sobre o comitê que escolhe o vencedor do prêmio. Os produtores desse documentário conseguiram documentos que mostravam que o governo brasileiro estava atuando em duas frentes para impedir que Dom Helder recebesse o prêmio: tentando persuadir diretamente os jurados e incentivando uma campanha na imprensa norueguesa contra a premiação do arcebispo.

Hoje poucos conhecem a história de Helder Camara e de suas realizações. A grande mídia só tem interesse de nos fazer lembrar de grupos musicais, atores e outros artistas do passado. Ela tem pouquíssimo interesse em nos mostrar os bons exemplos da humanidade.

Helder Camara foi um desses homens raros, que por onde passam deixam sua marca e jamais passam despercebidos. Com sua luta política em favor dos  pobres, realizou mudanças concretas na vida de muita gente. Ficou muito distante do sonho de acabar com as favelas, mas avançou muito mais do que qualquer governo de sua época.

Muitos hoje se surpreendem com a atuação do papa Francisco, mas nem imaginam que no passado existiu na igreja católica alguém tão revolucionário como Helder Camara.

2 comentários:

Oi, Beth!
Não conhecia a tragetória de trabalho do Dom Helder Camara e o sonho que o movia. Mas acho que não cabe comparação com o Papa Francisco que deu fechamento ao texto. Vale dizer que seja mais um a surpreender aqueles que não acreditam mais na igreja como modo de transformação do ser humano. Infelizmente em épocas diferentes, mas ambos sabiam da inocuidade de certos discursos eclesiásticos em favor da paz e da justiça, quando desacompanhados de ações concretas no terreno sócio-político.
Beijus,

Oi Luma,
Deixe-me ver...

Gostei do questionamento...
Estou lendo a história do Francisco. Até agora encontrei alguma semelhança (poucas).

Mas, continuarei lendo e assim que eu concluir te falo.

Valeu.
Beijão.

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