Era o titulo de um livro de muito apelo de um economista francês – Jacques Lambert. Era o resgate da modernidade do centro-sul e do sul contra o atraso e a miséria do nordeste. Era o Brasil europeu contra o Brasil africano.
Era uma foto, mas pretendia ser um diagnostico. A imigração nordestina para São Paulo era o resgate generoso da civilização em relação aos famintos, aos miseráveis, aos paus-de-arara.
A direita brasileira, ainda mais tendo São Paulo como sua cabeça, sempre agiu como se fosse a portadora da civilização contra a barbárie. Como uma espécie de Israel cercado de povos incultos, miseráveis, violentos, que se movem pelos instintos, enquanto eles personificariam a razão.
O futuro seria dado pela expansão do polo moderno, industrializado, urbanizado, que iria absorvendo, isolando, derrotando ao polo do atraso, do mundo rural, agrícola. A pujança de São Paulo e sua liderança nacional estaria dada por essa função dinamizadora e modernizadora do pais. “São Paulo é a cidade que mais cresce no mundo: 4 casas por hora.” “São Paulo não pode parar.” Esses lemas, correntes nos anos 1950, eram a atualização dos “ideais de 1932”. Da São Paulo vanguarda do Brasil, que trazia a modernidade do primeiro mundo para o terceiro.
Sabe-se no que deu essa São Paulo que construía 4 casas por hora: naquela que tem mil carros por dia entrando no trânsito, tornando a vida na cidade insustentável. Tornando São Paulo uma cidade desumana, desigual, cruel, que precisa, de forma urgente e prolongada, de políticas que a humanizem de novo.
Na campanha eleitoral atual, analistas levantam de novo a tese de que haveriam dois Brasis: um em torno da modernidade e do progresso, em torno da “rica” e “bem informada” São Paulo, o outro em torno da “atrasada”, pobre e “mal informada”, do nordeste. Se ganhar o primeiro Brasil, voltaríamos à integração subordinada ao centro do capitalismo, como periferia subordinada. Se continuasse a triunfar o segundo, continuaríamos a orbitar em torno do Sul do mundo e da América Latina.
O país estaria dividido, quem quer que ganhe. A diferença essencial é que se triunfar o candidato da elite paulista, promoveria um brutal processo de exclusão social como o Brasil nunca viu, porque com os governos do PT a massa pobre da população conquistou direitos que nunca tinha tido. Será necessário um gigantesco processo de exclusão social para despojá-la, pela força desses avanços. Seria a opressão de um dos Brasis sobre o outro. Seria o aprofundamento da fratura social que sempre caracterizou o nosso país.
Enquanto que o outro projeto vai na direção oposta, a da integração dos “dois Brasis”, pela diminuição das desigualdades sociais. Essa a grande disputa desta eleição: a continuidade do Brasil que integra contra o retorno do Brasil que desintegra.
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“Os dois Brasis”, de Jacques Lambert (Col. Brasiliana n° 335, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 5a. ed., 1969)
Por Emir Sader.