O damo e as damas |
"Num país de senzalas inconfessas, não é de se espantar que distintas senhoras não se contentem em viver à custa de homens".
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Uma elite que combate Bolsa Família, mas não se acanha em usar mordomias do Estado
Um grupo de mulheres de deputados reuniram-se num chá oferecido por uma delas. O convidado de honra foi Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara dos Deputados. No cardápio, um pedido para que volte um benefício que garante às madames passagens de graça para acompanhar os maridos.
O que isso diz sobre a sociedade brasileira? Machismo em alto grau partindo de mulheres. Hipocrisia de uma elite carcomida que combate políticas públicas para os mais pobres, mas não se acanha em usar e abusar das mordomias do Estado.
A uma ex-catadora de papelão, que se tornou presidente da Petrobrás, não é permitido roubar. Se roubou ou não pouco importa. Não é com isso que as madames bem-nascidas estão preocupadas. Ela simplesmente não pode roubar. Os maridos iluminados podem.
Num mundo em que todos comam, onde todas as classes, cores e credos sejam julgados da mesma maneira, como madame poderá ser madame? Como aeroportos poderão ter o vazio sepulcral dos lugares reservados a privilegiados?
É dolorosamente atual a frase de Raymundo Faoro: “Eles querem um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem povo”. E como dói constatar que, depois de tantas lutas por direitos iguais, elas também querem isso.
Não são todas, é claro, para alívio da nação, mas a composição do Congresso que tomou posse no dia 1º de fevereiro de 2015, não deixa dúvidas quanto ao caráter conservador, machista, preconceituoso, da maior parte da sociedade brasileira.
O dinheiro pode ser livre – para quem convém que seja livre. Seres humanos têm que viver presos. Presos à moral alheia, presos a dogmas. E, aqueles que “não deram certo”, presos a grades. Quiçá, mortos.
Num país de senzalas inconfessas, não é de se espantar que distintas senhoras não se contentem em viver à custa de homens. Querem mamar nas tetas do erário. Não lhes envergonha em nada receber o “bolsa-madame”. Faz parte da nossa tradição secular.
Se forem vistas por aí em alguma passeata contra a roubalheira na Petrobras e contra o bolsa-família, dirão que estão lutando para salvar o Brasil. E serão capa da maior revista semanal, como já foi o “caçador de marajás”. A honestidade dos que dizem lutar contra a corrupção me comove.
Ana Helena Tavares
Editora do site QTMD - Quem tem medo da democracia?