O dia em que Jesus Cristo
escreveu uma carta para Silas Malafaia
Querido pastor,
Aqui quem fala é Jesus. Não
costumo falar assim, diretamente – mas é que você não tem entendido minhas
indiretas. Imagino que já tenha ouvido falar em mim - já que se intitula
cristão. Durante um tempo achei que falasse de outro Jesus – talvez do DJ que
namorava a Madonna - ou de outro Cristo - aquele que embrulha prédios pra
presente – já que nunca recebi um centavo do dinheiro que você coleta em meu
nome (nem quero receber, muito obrigado). Às vezes parece que você não me
conhece.
Caso queira me conhecer mais,
saiu uma biografia bem bacana a meu respeito. Chama-se Bíblia. Já está à venda
nas melhores casas do ramo. Sei que você não gosta muito de ler, então pode
pular todo o Velho Testamento. Só apareço na segunda temporada.
Se você ler direitinho vai
perceber, pastor, que eu sou de esquerda. Tem uma hora do livro em que isso
fica bastante claro (atenção: SPOILER), quando um jovem rico quer ser meu
amigo. Digo que, para se juntar a mim, ele tem que doar tudo para os pobres. “É
mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no
reino dos céus”.
Analisando a sua conta bancária,
percebo que o senhor talvez não esteja familiarizado com um camelo ou com o
buraco de uma agulha. Vou esclarecer a metáfora: Um camelo é 3.000 vezes maior
do que o buraco de uma agulha. Sou mais socialista que Marx, Engels e Bakunin
- esse bando de esquerda-caviar. Sou da esquerda-roots, esquerda-pé-no-chão,
esquerda-mujica. Distribuo pão e multiplico peixe – só depois é que ensino a
pescar.
Se não quiser ler o livro, não
tem problema. Basta olhar as imagens. Passei a vida descalço, pastor. Nunca fiz
a barba. Eu abraçava leproso. E na época não existia álcool gel.
Fui crucificado com ladrões e
disse, com todas as letras (Mateus, Lucas, todos estão de prova), que eles
também iriam para o paraíso. Você acha mesmo que eu seria a favor da redução da
maioridade penal?
Soube que vocês estão me
esperando voltar à terra. Más notícias, pastor. Já voltei algumas vezes. Vocês
é que não perceberam. Na Idade Média, voltei prostituta e cristãos me
queimaram. Depois voltei negro e fui escravizado – os mesmos cristãos afirmavam
que eu não tinha alma. Recentemente voltei transexual e morri espancado. Peço,
por favor, que preste mais atenção à sua volta.
Uma dica: olha para baixo.
Agora mesmo, devo estar apanhando - de alguns que segue o senhor, cegamente.
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Gregório Duvivier,
É ator e escritor. Também é um
dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas na Folha de São Paulo