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Enquanto isto, na Temerlândia…

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Eu, Temerlão I, no uso de minhas atribuições usurpacionais, decreto provisoriamente o seguinte, ad sæcula sæaculorum:

Para aprimorar a agenda social de nossa amada Temerlândia, ficam instituídos os seguintes programas, que suspendem todos os demais anteriores:

1. O Bolsa Elite. Como se sabe, dinheiro para pobre é gasto, dinheiro para rico é investimento. Todos as famílias que pertençam ao 1% mais rico da nação receberão um auxílio-investimento no valor anual de 1% de sua riqueza para ajuda-los a gerir seu capital em prol de criar mais riqueza ainda. A bolsa será dada sempre através dos membros machos destas famílias.

2. O Mais Pobres. O corte dos outros programas anteriores visa incrementar em número, grau e qualidade a pobreza no país. Como se sabe, nosso programa educacional já em curso, Bíblia para todos, precisa  mais e mais de adeptos fervorosos. Assim os cada vez mais pobres poderão rezar mais e efusivamente para garantir uma melhoria. Na outra vida, é claro.

3. O Menos Médicos e Mais Doenças. Os grandes economistas da amada Temerlândia, reunidos no Instituto Malignum, garantem que ter muita gente com saúde é mau para o país, pois faz o PIB cair. Ao contrário, o incremento do número de doenças, doentes, epidemias, pandemias, desnutrição e outras bem-vindas mazelas faz o PIB aumentar, pelos gastos e desgastes que provoca.

4. O Minha Miséria, Minha Vida. Viver ao ar livre é ótimo. Assim, cortando investimentos habitacionais, propiciaremos o aumento dos sem teto em nossa querida Temerlândia, que, ao ar livre, além de gozarem da natureza, poderão ficar doentes, incrementando também, em efeito cascata, o Menos Médicos e Mais Doenças.

5. O Trevas para Todos. Os melhores oftalmologistas, psicólogos e filósofos do Instituto Malignum garantem que viver na escuridão estimula o pensamento e aguça a reflexão introjetada ao invés da intrometida. Assim suprimiremos o fornecimento de energia elétrica para pelo menos 15% das famílias que fizerem parte do incremento promovido pelo Mais Pobres. Os mais atingidos pelo Trevas para Todos poderão ficar deprimidos, incrementando assim o Menos Médicos e Mais Doenças e o Minha Miséria, Minha Vida.

Como se vê, a sinergia e a integração entre nossos programas são totais.

Mas tem mais.

Todas as mulheres da nossa Temerlândia deverão fazer obrigatoriamente os cursos de Prendas Domésticas I, II, até Cem. Ao final receberão o devido diploma, e as que se mostrarem mais ineptas para o trabalho fora de casa receberão a comenda “Do Lar”, a ser entregue no Palácio Cegonha, ao lado do Jaburu.

Daqui por diante, todos os diplomatas brasileiros deverão fazer os seguintes cursos:

Teoria Positiva da Dependência, Teoria da Dependência Positiva, Teoria da Dependência Impositiva, Teoria da Dependência Obrigatória, Teoria da Dependência Compulsória, Teoria da Dependência Compulsiva. Os cursos ficarão ao encargo do nosso querido mestre, o Barão de Hygyenópolys, auxiliado pelos professores do Instituto Malignum. Formação adicional obrigatória em “O Petróleo é Deles”.

Todos os que quiserem se tornar políticos, deverão fazer os seguintes cursos: Golpe Militar, Golpe Parlamentar, Golpe Jurídico, Golpe Branco, Golpe Cor-de-Rosa, com pós-graduação em Golpeachment.

Fica instituída a Comenda da Ordem de Silvério dos Reis para o vice que melhor trair seu titular, empregando as técnicas aprendidas nos cursos acima descritas. Também se institui a Comenda Borsanara para o político que melhor defender os ideais imorredouros da Redentora de 64.

Ficam revogas todas as disposições em contrário, e ficam revogados todos o que se opuserem a estes decretos. Se não quiserem se revogar, borracha neles. Sob a forma de balas, é claro.

Temerpólis, aos 26 de maio de 2016.

***

Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

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