Nesta época de descrença na política, em que a frustração e o desânimo põem em risco a própria democracia no Brasil, com muita gente se perguntando se haverá alguém de confiança em quem votar nas próximas eleições, eu me lembro de um episódio acontecido há muitos anos.
Eu havia feito concurso para funcionário do Tribunal Regional Eleitoral, passei, e só aí me informaram que não existiam vagas, que quando abrissem eu seria chamado. Pensei: caí num conto do vigário.
Mas quase quatro anos depois, me chamaram para assumir uma vaga lá. Só que, nesse período, Fernando Henrique Cardoso havia sido ministro da Economia e concorria à eleição para presidente. Como ministro, tinha implantado uma política que detonou os salários dos servidores, e o emprego já não valia muito a pena. Mesmo assim resolvi assumir o cargo. O sindicato reivindicava uma correção salarial de 190% para voltar ao poder aquisitivo perdido nesses anos.
Fiquei quatro meses no Cartório Eleitoral da Lapa, ganhando menos do que minha despesa fixa mensal. E caí fora. Mas nesses meses, atendendo pessoas que iam tirar o título de eleitor aprendi algumas coisas.
Os pobres iam retirar o documento quando arrumavam emprego formal e precisavam dele para fazer o registro profissional. As pessoas de classe média pra cima iam retirar o título quando entravam na faculdade e precisavam dele para fazer a matrícula.
Um dia apareceu um sujeito rico que só foi retirar o título com 25 anos. E contou porque queria o documento:
- Sabe o que é? O meu pai vai me levar pra Disney e me falaram que pra tirar passaporte é preciso do título.
Isso aconteceu outras vezes, e eu ficava impressionado com tanto babão com mais de vinte anos indo pra Disney.
Um dia, uma novidade: um rapazinho com menos de 18 anos foi retirar o título e estava muito empolgado. Falava com todo mundo sobre a importância de votar, de colocar as pessoas certas “lá em cima”, e eu fiquei imaginando que era algum militante do movimento estudantil.
Fiz questão de ser eu a atender o rapaz empolgado. Perguntei por que ele estava tão animado em se tornar eleitor, esperando uma resposta de petista ou comunista, e ele respondeu:
- É que o pastor da minha igreja falou que todos nós temos que tirar título e votar só em crentes…
Fiquei de boca aberta!
Mouzar Benedito