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"Compreender o mundo é, sobretudo, historicizá-lo, entender como ele foi constituído da forma que o conhecemos e como a ação humana reproduz essa realidade. Para poder captar a forma pela qual é possível desmontar e reconstruir de outra forma essa realidade".
A mais importante função da teoria nos nossos tempos é a de historicizar a realidade, isto é, a de demonstrar como toda realidade é produto da ação – consciente ou inconsciente – dos homens, revelar como foi produzida, quem a produziu, para desembocar em como pode – e deve – ser desarticulada e reconstruída conforme a ação consciente dos seres humanos.
A mais importante função da teoria nos nossos tempos é a de historicizar a realidade, isto é, a de demonstrar como toda realidade é produto da ação – consciente ou inconsciente – dos homens, revelar como foi produzida, quem a produziu, para desembocar em como pode – e deve – ser desarticulada e reconstruída conforme a ação consciente dos seres humanos.
O mecanismo mais alienante de todos hoje é o da naturalização do mundo: as coisas são como são, não podem ser diferentes, a pobreza, a miséria, as catástrofes sempre existiram e sempre existirão. Os próprios pobres não querem sair da sua pobreza. Os países pobres sempre foram e sempre serão pobres. A riqueza é produto do trabalho, do empenho, da seriedade de alguns países, enquanto o atraso é resultado de mentalidades retrogradas, de gente que não gosta de trabalhar, de preguiçosos.
Meu nome é Dirce Pereira da Silva e, atualmente, conto com 77 (setenta e sete) anos de idade, caminhando para o 78º aniversário. Tal como Vossa Excelência, tive uma trajetória difícil e cansativa na busca por meus direitos civis.
Sou negra, filha de um servente de pedreiro e uma lavadeira. Meu avô paterno era escravo alforriado. Nasci e cresci em meio à miséria no interior do Estado de São Paulo, valendo-me de farinha e verduras que minha mãe encontrava no caminho para alimentar-me. Graças a ela, que sempre foi analfabeta, convencemos meu pai a mudar-se para a pequena cidade de Penápolis-SP, a fim de que eu pudesse estudar as primeiras séries e o ginasial (denominação dada à época). Os materiais eram todos muito caros e, por isso, desde meus oito anos de idade trabalhava como lavadeira em conjunto com minha mãe para aumentarmos nossos rendimentos. Papai fez muitas dívidas nessa época também para que eu pudesse estudar.
Quando chegou o momento de optar, escolhi cursar a Escola Normal, já que não havia Faculdades por perto e nem haveria condições de manter-me fora. Formei-me normalista em dezembro de 1954, para orgulho de meus pais.
O caminho, Excelência, não foi fácil. Minhas colegas de Escola podiam ir às matinês ou às festas em que iam as pessoas de minha idade, mas eu era barrada na porta por ser negra. Sempre minha presença foi proibida nos locais destinados às pessoas brancas. Isto não impediu que eu conhecesse um rapaz branco, hoje já falecido, que se apaixonasse por mim e fosse correspondido. Ele pediu minha mão em casamento a meu pai, como era próprio da época. Meu pai aceitou, mas alertou a mim, ainda muito jovem, sobre a possível rejeição por parte da família dele. Infelizmente, papai estava certo: os pais dele (em especial a mãe) rejeitou-me, e me chamou de crioula safada, dentre outros adjetivos. Esse amor nunca teve um beijo ou outra coisa qualquer além de belíssimas declarações, mas foi forte o suficiente para permanecer intacto em minha memória nestes quase sessenta anos. Até hoje, quando visito seu túmulo, penso em tudo o que poderíamos ser e não fomos.


