"Você só pode escrever a sério se antes ler a sério".
“O MANUAL DO GUARDIAN VOU LEVAR”, me disse Pedro, 22 anos, meu filho do meio. Era terça-feira, e ele estava arrumando suas coisas para voltar ao Brasil depois de quase um ano em Londres, no apartamento de Ranelagh Gardens que ele iluminou com sua inteligência, solidariedade, bom humor e incrível capacidade de conviver bem com todo mundo. Foi Pedro que descobriu o manual, e ele me citou algumas vezes uma passagem que o marcou. Nos últimos tempos, Pedro incorporou alguns autores à luz de seu abajur: Nelson Rodrigues e Isaac Bashevis Singer, por exemplo. Gosto de ver em seu texto em contínua evolução as marcas das leituras dos grandes escritores: os adjetivos teatrais, retumbantes de Nelson Rodrigues ou as tramas judaico-polonesas de Singer,em que o diabo é um personagem frequente.
Às equipes com as quais trabalhei ler, e não apenas notícias, sempre foi uma pregação frequente. Ter a leitura como hábito, considerada a afirmação de Aristóteles de que é o hábito que faz a virtude. Encontrar tempo para ler disciplinadamente. A quem diz que não tem tempo para ler, respondo que talvez seja hora de rever as prioridades.
Não há nada de realmente importante para o que a gente não arranje tempo. É mais ou menos como dizer que livro é caro e ao mesmo tempo não se queixar da conta de um almoço que custa três ou quatro livros.
Para quem lida com palavras, como os jornalistas, ler é a diferença entre uma carreira limitada ou aberta. Os cinco autores fundamentais, aqueles que escreveram em português melhor que ninguém, na minha avaliação:
1) Machado de Assis. Sobriedade, elegância, precisão, ironia fina. Papai leu Machado numa coleção antiga, de capa dura verde, com a grafia antiga, pharmácia, por exemplo. Acabei lendo Machado na coleção de papai, e prestava atenção dobrada em suas anotações, na letra tão clara e marcante que, mesmo ele tendo morrido há mais de 25 anos, jamais sai de minha mente. Ao contrário de muita gente, gosto de livros anotados por leitores anteriores. De Machado, Memórias Póstumas, Dom Casmurro e Quincas Borba são vitais, e alguns contos, como O Alienista e A Cartomante, vão também encantar o leitor mesmo na segunda ou terceira leitura. Tenho uma paixão particular por um conto de menor relevância de Machado, Um Capitão de Voluntários, uma história de amor traído e de arrependimento sincero e comedido que li muitas vezes. E tenho uma opinião convicta sobre a controvérsia a respeito da traição ou não de Capitu em Dom Casmurro. Não há evidência que sustente o adultério além da versão subjetiva de Bentinho, o marido. Assim, ele diz que Capitu o traiu com seu melhor amigo, Escobar. Não quer dizer que isso seja verdade. A mesma situação aparece num romance de um dos maiores escritores da era moderna, John Upkide, A Versão de Roger. O narrador, Roger, acredita que sua mulher o está enganando. Updike já no título colocou a ressalva: é a versão do marido.