O “velho Braga” e a aula de inglês.
Eu sou suspeito para falar, pois aprendi a gostar de ler através das crônicas de Rubem Braga, e se não fosse essa aventura, a de escapar do mundo através da leitura, a vida teria sido muito aborrecida.
Sou-lhe pessoalmente grato e duplamente reverente. Se ele me incutiu na mais tenra idade (expressão que jamais usaria) o gosto em pegar um livro e passar o tempo conversando com seus personagens, foi lendo aqueles textos que também pensei: hum, isso eu também posso fazer.
RB tem essa dupla indicação.
A primeira: ele é a forma mais evidente de prazer de leitura inventado pela literatura brasileira. Seu texto flui sem pedantismo, sem malabarismo estilístico. “Prefiro as palavras curtas e as de sentido consagrado”, costumava dizer quando lhe perguntavam sobre sua técnica.
Rubem Braga é cúmplice apenas na arte da palavra que puxa palavra, em carregar o leitor, ofegante de prazer, até o fim do texto. Não há forma mais segura de seduzir um jovem para a leitura do que lhe pondo na mão uma crônica como “A aula de inglês”.
Use e abuse
A segunda indicação: o texto de Rubem Braga, uma das mais sofisticadas estruturas de beleza erguidas na arte brasileira, passa a impressão de uma aparente facilidade de construção. Além de não rebuscar a linguagem, ele fala da mulher amada, das memórias da infância, de uma cena que viu pela janela do táxi, do homem nadando, da borboleta amarela – essas coisas ao alcance da percepção de qualquer um.
Evidentemente, é uma falsa simplicidade, um talento desenvolvido no exercício de mais de 15 mil crônicas – mas, quando o jovem percebe isso, ele já adquiriu também o vírus da próxima indicação. E, depois do primeiro banho de civilização, que é a leitura, passa para o segundo. Começa a escrever com as limitações que o Criador lhe conferiu. Foi o meu caso. Não me queixo. Bato-lhe o queixo, reverente.
O ano letivo de 2013 logo estará começando, e o centenário de Rubem Braga é um bom pretexto para que o professor de Português mantenha seus alunos interessados no assunto. Use e abuse de crônicas como “Ivo viu a viúva” ou “Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim”. Não tem contraindicações. É o melhor caminho para fazer um jovem gostar de ler e escrever – e é assim que se começa um país melhor.
(Joaquim Ferreira dos Santos. Colunista de O Globo)
(Joaquim Ferreira dos Santos. Colunista de O Globo)
Fonte: Observatório da Imprensa.