Imagens de uma São Paulo antiga abrem o filme Libertários, de Lauro Escorel, com a seguinte narração: “Os primeiros anos do século assistem à urbanização da velha burguesia rural e ao surgimento da burguesia financeira industrial, á expansão e diversificação das classes médias e ao surgimento de uma classe até então desconhecida: o proletariado urbano”.
Lançado em 1977, a obra revê o surgimento da classe operária urbana com o claro objetivo de fazer refletir sobre a importância de se unir para a defesa dos direitos dos trabalhadores. Quase 40 anos depois do lançamento e de muitos direitos trabalhistas conquistados, o filme de Escorel chega agora em DVD, junto com o também o clássico Chapeleiros, de Adrian Cooper.
Não faz tanto tempo
“A jornada de trabalho era em média de 16 horas, sendo muito grande o número de mulheres e crianças entre o operariado. As crianças trabalhavam 11 horas por dia e eram constantes os maus tratos pelos erros cometidos. Os salários eram baixíssimos, flutuando conforme as necessidades do empregador, não existindo o salário mínimo. Carne, pão e legumes eram artigos de luxo para os trabalhadores, que tinham sua dieta básica constituída de farinha de mandioca, feijão, arroz, carne seca e café. É assim que o trabalhador, desprotegido nos acidentes de trabalho e na velhice, começa a sentir a necessidade de agrupar-se”, narra o locutor de Libertários.
Enquanto este é um filme “militante”, Chapeleiros, de 1983, debruça sobre a longa observação do ato de trabalhar em uma antiga fábrica de chapéus. A obra de Cooper não traz entrevistas nem hesita em buscar a visualidade estética. A presenta quadros cheios de texturas e grafismos e promovem uma espécie de contemplação do trabalho.
“A lida do operário com o material, o manuseio apropriado, a repetição sem automatismo, a máquina como extensão do corpo e seu algoz, são as dimensões que emergem naturalmente desse filme sem palavras. A velha fábrica resiste, pois o trabalho artesanal ainda tem vez na economia industrial”, observa o crítico de cinema Carlos Augusto Calil. Segundo ele, o lugar dessa fábrica ali retratada não é mais confortável na paisagem urbana e social. “Sua chaminé procura a melhor posição dentro do quadro do filme. À esquerda? Direita? A câmera hesita e a montagem não alivia. A dança da chaminé nos alerta para a constatação inevitável: aquela fábrica já não tem mais uso no moderno capitalismo; é um fantasma a assombrar o país do milagre econômico.”
Segundo Calil, os média-metragens “abordam o universo dos trabalhadores e da industrialização paulista de maneiras distintas. O DVD com os dois filmes deve custar R$ 44,90. São obras que valem pelo interesse cinematográfico e histórico – sobretudo num mundo em que ainda parece haver gente que tenha saudade do tempo em que as relações de trabalho eram tão "desreguladas", para dizer o mínimo.
Fonte: RBA/IMS