Uma carta do escritor Mário de Andrade (1983-1945) ao poeta Manuel Bandeira (1886-1968), mantida em sigilo desde 1978, quando foi doada pela família de Bandeira ao acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, na zona sul do Rio, vai se tornar pública hoje, quinta-feira, 18. A ordem para divulgá-la foi tomada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 9 de junho, após processo com base na Lei de Acesso à Informação que se estendeu por quatro meses.
Pesquisadores supõem que, no documento, Mário admita expressamente ser homossexual. A carta poderá ser vista pessoalmente, após agendamento pelo e-mail: consulta.acervo@rb.gov.br
A orientação sexual do autor de Macunaíma e um dos ícones do Modernismo brasileiro é debatida há décadas. Embora o escritor tenha dado indícios em outras cartas e em sua obra, como no conto Frederico Paciência, nunca houve uma conclusão, já que em nenhum momento Mário admitiu publicamente a opção. O teor da carta - uma das 15 trocadas entre os literatos entre 1928 e 1935 - não foi divulgada até hoje supostamente por ser o único documento em que ele admitiria a homossexualidade.
A carta integra um conjunto de documentos e livros doados pela família de Bandeira à Casa de Rui Barbosa. Todos os demais objetos já estavam disponíveis para consulta pública.
Em fevereiro, um pesquisador cujo nome não foi divulgado fez um pedido à Casa de Rui Barbosa, negado. Ele recorreu ao Ministério da Cultura (MinC), ao qual a instituição é vinculada. O MinC também negou o pedido, mas o pesquisador recorreu à instância seguinte, a CGU, que considerou o documento público. Se a Controladoria mantivesse a resposta negativa, ainda restaria uma instância, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações, composta por representantes de dez ministérios ou repartições públicas.
Pesquisadores temem que, a partir desse episódio, acervos importantes só sejam doados por colecionadores ou personalidades para entidades privadas, que não se submetem à Lei de Acesso à Informação.
O compositor, poeta e produtor cultural Hermínio Bello de Carvalho, estudioso da obra de Mário de Andrade, afirmou desconhecer a existência dessa carta, mas avalia que nada vai mudar a reputação do escritor. "Qualquer que seja o conteúdo dessa carta, não vai conspurcar a biografia do Mário, tudo o que ele produziu para a cultura brasileira. A obra dele vai muito além dessa questão."
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Escritor, poeta, crítico literário, musicólogo, folclorista e ensaísta paulistano, Mário de Andrade escreveu seu primeiro livro, "Há uma gota de sangue em cada poema", em 1917. Em 1922 participou da Semana de Arte Moderna e lançou "Paulicéia Desvairada". Entre suas obras também estão "Amar, verbo intransitivo: idílio", "Macunaíma" e "Belazarte". Mário dirigiu o Departamento de Cultura do município de São Paulo de 1935 a 1938, período em que planejou a Biblioteca Municipal. Com Rodrigo Melo Franco de Andrade, criou em 1936 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Viveu no Rio de Janeiro de 1938 a 1941, quando foi professor de Filosofia e História da Arte na então Universidade do Distrito Federal, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
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Fonte: O Estadão/CRB.