Ela me empresta um livro do qual eu tinha ouvido falar com admiração. O Passado, romance de amor do argentino Alan Pauls.
Eu tinha acabado de ler O Homem Comum, de Philip Roth, altamente depressivo. Gosto de Roth, gosto do erotismo requintado que brota de sua prosa, mas O Homem Comum é negativo demais.
Um cara de 71 anos vê seus amigos doentes, prestes a morrer ou já mortos, e ele mesmo reconhece o quanto sua vida foi patética. Mas gosto tanto de Roth que, ao contrário do que faria normalmente, fui até o fim.
Fui fisgado pelo Passado imediatamente. Primeiro pela edição caprichada da editora, e até antes disso pelo bom gosto literário de quem me emprestou. Depois pela citação de dois pintores que admiro, austríacos e iconoclastas os dois, quase da mesma época (final do século 19, início do 20), Schiele e Klimt.
Há em Schiele e Klimt um caos colorido, erótico, perturbador. Mulheres angulosas, despidas ou quase, sem vergonha dos pêlos, modelos que quase sempre foram amantes dos dois gênios, e que por meio deles alcançaram a imortalidade. Tenho uma reprodução de O Beijo, de Klimt, em meu quarto. Acordo com ela, e gosto disso.
Um trecho de O Passado me chama a atenção. O protagonista, apaixonado, não pensa na possibilidade de dormir com nenhuma outra mulher. Jamais fez isso. Ele conta isso para ela. Ela diz: “Eu fui pra cama com o Rafael”. Palavras do autor: “Então ele soube que, para algum dia deixar de amá-la, algo mais forte que outro homem, que outra mulher, algo tão desumano e cego quanto um desastre, uma queda de avião, um terremoto, teria de arrancá-la de seu lado e extirpá-la de sua alma”.
Reflito um momento. Existe amor assim tão generoso e permissivo? A traição gera ódio e desejo obsessivo de vingança. Muitas vezes a pessoa finge perdoar, mas fica no fundo de sua alma um ódio que, cedo ou tarde, explode alguma forma. Não sei se existe mesmo amor tão lindo quanto o descrito por Pauls.
Chuto que não.
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Fabio Hernandez