Todo poema é um bilhete, uma carta, uma seta.
Todo poema é uma visão, um aviso, um pedido, uma conversa.
Todo poema é um sinal de perigo, socorro, promessa.
Todo poema pode ser um convite, um alfinete, um beijo,
um estilete.
Todo poema é fome, banquete, destino e meta.
Eu, pra todo lado que miro, vejo a bagunça,
a farra dos inéditos, a festa.
Está tudo em mim pelas bordas,
e só Deus sabe do disse me disse no interior das gavetas!
Multidões de vozes me habitam com desenvoltura,
invadiram estradas, linhas, cadernos, partituras.
São tribos que vêm com seus alforjes,
são sonhos de literatura,
são palavras que aproveitam e fogem,
são verbos do norte que vieram da loucura,
são letras cotidianas que traduzem a experiência do viver,
são rebanhos de incertezas que migram para as rimas para vencer
são lágrimas de dor e beleza,
que se fizeram guerreiras antes de escorrer.
Fantasmas flagrados em pleno delito,
organização do não dito, manobra do subjetivo.
Escrever é um modo novo e antigo de ver,
de perceber a elaboração do pensamento sobre um sentido,
enquanto testemunha-se o imponderável do acontecimento dos fatos.
A palavra fotografa mas não é um retrato.
Nada tem de estática, nunca mais.
Uma vez escrita está esperta e à espreita.
Muito mais à espreita do que quando pensada.
Basta um olhar alfabetizado sobre a escrita palavra,
e pou! Volatiza-se sua potencialidade, abrem-se as travas,
e o mar de significados começa e não cessa de bater e de voar.
Pois de tudo isso, deste acervo contido,
é que meu espírito está hoje repleto,
e é por estar muito cheio que este meu ser está incompleto.
A cena interna é alarmante:
há palavras crianças trabalhando em mim, para mim,
perdidas nas agendas!
São verbosinhos menores de idade,
aos quais prometi livro, abrigo, um lugar no mundo onde morar.
Há palavras inocentes fazendo trabalho escravo,
sem que de tal exploração eu não me imaginasse capaz.
Outras, velhas demais,
são palavras que passaram do ponto da publicação,
viraram tardias explicações do que já não interessa mais.
Creia-me, trago vozes antigas, vozes ancestrais,
que dominam minhas páginas, as de papéis e as virtuais.
Quando quero dormir, roncam as mais inquietas,
ronronam as mais descansadas, gemem as mais caladas,
gritam as que querem ser libertas, forçando a porta da casa.
Todo poema é uma notícia, um pedaço de diário, um desabafo,
uma fala emocionada ou triste
no calendário do nosso ambíguo caderno de chorar.
Choro por guardá-las,
chorei ao escrever algumas,
e choro agora na hora de oferecê-las ao público redentor.
Estavam dentro do tempo esperando essa hora, este clamor.
Todo poema é um comunicado, uma batida de tambor.
Todo poema é um chamado,
uma missiva que a gente ainda não mandou.
Todo poema pode ser um romance, uma nova chance,
um caso mesmo de amor.
Uma prova factual, uma epístola de fervor com a vida,
um emplastro, um pacto, um fino haicai sobre a ferida,
ainda que não seja premeditadamente a última, a do suicida,
todo poema, de alguma forma é,
daquele beiral do instante,
daquela varanda da lida,
todo poema é
uma carta de despedida!
*****
(Quase verão, Goiânia, 2012)