Novo disco da cantora carioca amplia o poder transformador da música com debate político, feminista, anti-racista, pela liberdade religiosa, ancestralidade e pelo empoderamento.
“Mil nações moldaram minha cara/ Minha voz, uso para dizer o que se cala/ O meu país é meu lugar de fala.” É com esse grito de O que se Cala que Elza Soares abre seu novo disco, Deus É Mulher, lançado esta semana pela Deck Disc, e já disponível em todas as plataformas digitais, entre elas Spotify, YouTube, Google Play, Deezer e SoundCloud.
No texto de apresentação do álbum, a feminista e pesquisadora na área de Filosofia Política, Djamila Ribeiro, descreve como se sentiu ao escutar o novo álbum de Elza: “Vemos uma Elza Soares cantando a partir de um lugar potente, num elo com as gerações mais jovens. Como autora do livro O que é Lugar de Fala, fiquei particularmente tocada em ver uma mulher como ela, uma das maiores cantoras brasileiras, rompendo com silêncios históricos e emprestando sua voz para amplificar as nossas. Uma generosidade para quem ainda precisa se calar perante a vida. Elza fala por milhares, canta a liberdade”, afirma a ex-secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
Em 11 faixas inéditas, o álbum faz uma ode ao empoderamento negro – especialmente das mulheres – a partir de letras feministas, de afirmação política e estrofes que celebram as raízes afro. “Exu nas Escolas é um grito pela ancestralidade, pela beleza de uma mitologia que foi demonizada. Ode ao orixá da comunicação, a uma cosmogonia sufocada por uma visão colonial. Um manifesto pela liberdade religiosa e cultural de um povo”, analisa Djamila..
A liberdade e o poder da mulher de fazer o que bem quiser são cantados em Eu Quero Comer Você, Banho e Língua Solta. Nesta última, a cantora fala da importância da coragem e da união: “Vamos juntas que tem muito pra fazer/ Sem fingir que dá, que dói, é só dizer/ Somos duas nós e todas nós/ Vamos levantar o sol// É dia de falar/ E de ouvir também/ Com medo de careta, dou a mão/ E cala o horror/ A cara feia, a noite escura/ Que a coragem é língua solta e solução// É dia de encarar/ O tempo e os leões/ Se tudo é perigoso, solta o ar/ Escuta a maré/ A lua, o rádio, a previsão/ Por nós só nós e um mundo inteiro pra gritar// Nós não temos o mesmo sonho e opinião/ Nosso eco se mistura na canção/ Quero voz e quero o mesmo ar/ Quero mesmo incomodar// Tem a voz que diz que não, não pode ser/ Mas eu digo sim, que sim pro que eu quiser/ Sexo, pelo, prego e futebol/ Puta, presidente e cardeal”
, canta.
Capa“Deus é Mulher não é somente para ser ouvido, mas para ser escutado. Evoca um poder transcendental e nos retira do lugar, nos coloca em suspenso para conseguir absorver cada letra, palavra, estrofe. O álbum promove um elo entre o sagrado e profano, um sagrado dessacralizado e um profano potência”, declara Djamila. “A Mulher do Fim do Mundo, seu álbum anterior e premiadíssimo, já nos mostrava uma Elza Soares feminista, consciente do seu poder, colocando em roda questões tão caras para muitas de nós. 'Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim', tão forte e libertador, agora, em Deus é Mulher, torna-se 'transforma cada homem em menino', porque agora Deus é mãe. Deus é fêmea e linda. A mulher do fim do mundo, enfim, ocupa seu lugar de divindade e se torna Deus e canta a revolução”, afirma a feminista e filósofa que, mais que um release, escreve uma homenagem à Elza e à sua importância para a música e as mulheres brasileiras.