Gabriel García Márquez sempre foi dono de uma memória sem limites, e, agora, essa memória se desvaneceu. Disse, ao longo da vida, que não há uma só linha, em toda a sua obra, que não tivesse como ponto de partida um dado da realidade. Ou seja: um dado guardado, intacto, em sua memória. Assim ele escreveu tudo que escreveu.
Bem: essa memória se acabou. E, com ela, se acabou a escrita mais luminosa das últimas muitas décadas da literatura feita na América de todos nós.
Ninguém combinou nada com ninguém, nada foi pedido a quem quer que fosse, mas existia uma espécie de pacto silencioso: não mencionar, fora de círculos absolutamente restritos e da mais rigorosa confiança, que Gabriel García Márquez perdia, pouco a pouco no princípio, e rapidamente depois, a memória.
Começou há alguns anos. Mas foi a partir dos últimos quatro que o processo se acelerou. As declarações emocionadas de seu irmão caçula, Jaime, na semana passada, correram mundo e acabaram escancarando o assunto. Ele não foi o primeiro a romper aquele pacto não declarado: um mês antes, o jornalista colombiano Plínio Apuleyo Mendoza mencionou a perda de memória do escritor.
