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Sete notas não exatamente musicais sobre Aldir Blanc

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Imagem: Aroeira
Compositor lutou por 24 dias contra o coronavírus e morreu na Vila Isabel da sua infância, no mesmo dia de Noel Rosa

1 – Aldir Blanc tinha 73 anos, diabetes e hipertensão. Seria presa fácil para o coronavírus. Mas não foi. Lutou por 24 dias durante essa doença terrível, que nada tem de “gripezinha”. Parentes e amigos acordávamos achando que ele não atravessaria mais 24 horas. E ele atravessava.

Morreu em 4 de maio, o mesmo dia em que, em 1937, morreu um de seus maiores ídolos, Noel Rosa. Ambos em Vila Isabel – Noel em casa, na Rua Teodoro da Silva; Aldir no Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Avenida 28 de Setembro. É coincidência ou há algo mais entre o céu e a terra? Aldir, provavelmente, votaria nas duas opções.

2 – Foi Dorival Caymmi quem disse: “Todo mundo é carioca. Mas Aldir Blanc é carioca mesmo”. Nasceu no Estácio, berço do samba urbano brasileiro. Cresceu e foi feliz em Vila Isabel, bairro-personagem de suas crônicas e de letras como as de “Tempos do onça e do fera (Quarador)” e “Viena fica na 28 de setembro”.

Era menino quando seu avô o levou até a caixa d’água da casa. Antônio Aguiar abriu a tampa e pediu para ele olhar.

– É a lua! – exclamou Aldir.

– Aquela, não. Aquela é gelada, feita de pedras, uma espécie de vulcão extinto. Agora, essa aqui, dentro da caixa d’água, é a lua da Zona Norte. Põe a mão nela… Isso. Viste? É trêmula e tépida como as mulheres.

A história está belamente contada no livro “Vila Isabel – Inventário da Infância” (1996).

3 – “Qual o outro nome da lua? Noêmia”, escreveu ele para a avó que o criou num poema em que denunciava “a ilusão de um poeta/ que ainda pensa que o céu/ fica em Vila Isabel”. Uma das irmãs de Noêmia se chamava Lurdes. Segundo o sobrinho-neto, ela terminou a vida cega e satisfeita: “Graças a Deus fiquei cega, para não ver mais as maldades do mundo”.

Uma frase perfeita para os dias de hoje. Se não morresse da Covid-19, Aldir morreria de Brasil. Sua glicose e sua pressão não suportariam o que aconteceu nos 24 dias em que ficou internado. Depois do que se deu em Brasília no domingo 3, ele deve ter achado melhor se encontrar com Noel.

4 – Para a família e para os amigos, a agonia das últimas semanas tinha um pico na hora de dormirmos. Será que acordaremos na manhã seguinte com a notícia de que ele morreu? Pois foi assim. Como bom boêmio (ou ex-boêmio), morreu de madrugada, perto do nascer do sol.

“Eu gosto quando alvorece / Porque parece que está anoitecendo / E gosto quando anoitece que só vendo / Pois eu penso que alvorece” (de “Me dá a penúltima”, parceria com João Bosco).

5 – Como percebem os que leem suas crônicas e suas letras, Aldir era um grande contador de histórias. Imitava vozes, inventava diálogos, embaralhava fatos e delírios – como em sua obra. Hermínio Bello de Carvalho destacava o seu carisma e dizia não perder a esperança de ver o amigo nos palcos, apresentando-se. Quem conhece seus discos, como “Vida noturna” (2005), sabe que ele era um excelente intérprete. Mas a crescente fobia social bloqueou seu potencial de showman.

6 – Aldir teve uma primeira infância sofrida, uma segunda infância radiante, uma adolescência sofrida, uma juventude radiante. Para não ficar nesse vaivém, logo cedo resolveu juntar tudo num balaio só, numa obra só, numa vida só. Escreveu e viveu uma tragicomédia brasileira.

E foi assim até o final. Estava em quarentena havia quase 30 anos, desde que um acidente grave de carro o fez reduzir as saídas e a adotar o isolamento social como regra. Pois logo ele foi morrer de Covid-19. Seria tragicômico se não fosse só trágico.

7 – Na véspera de ser internado, Aldir enviou um áudio para o autor destas linhas, que lhe convidara para um trabalho.  A última frase da última gravação da sua voz é a seguinte: “Os piores bandidos são os que se consideram mocinhos”. O Brasil de hoje em uma frase – espera-se que não um epitáfio.

*****
Publicado originalmente no site da Revista Época, por Luiz Fernando Vianna.
Republicado no Portal Vermelho.

(Kid Cavaquinho - João Bosco/Aldir Blanco)

O Brasil está matando o Brasil

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Governado por um maníaco e com as mortes se multiplicando, o país se torna uma ameaça para os vizinhos.

O Brasil abriu a semana com a morte de Aldir Blanc, o poeta que, em uma das canções mais pungentes contra a ditadura militar, escreveu: “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”. Morto aos 73 anos por covid-19, o show de Aldir Blanc não pôde continuar. A esperança já não consegue se equilibrar no Brasil e deslizou para o abismo. O país de Aldir Blanc e todo o seu imaginário foram mortos pelo perverso que se embriaga com a própria boçalidade, espirra e aperta com dedos lambuzados as mãos de seus seguidores. E então diz, diante das milhares de vítimas da pandemia e de sua irresponsabilidade: “E daí?”. A morte do poeta oficializa que o Brasil continental perdeu seu continente ―sua carne, sua alma e seus contornos― e a poesia já não nasce.

Desgovernado por Jair Bolsonaro, o Brasil vai se tornando uma ameaça na América Latina. Já é o terceiro no mundo em número de mortes em 24 horas, mesmo com evidências de enorme subnotificação, e tem apavorados os vizinhos. “Se o Brasil espirra, o Paraguai tem uma pneumonia”, escreveu no Twitter Guillermo Sequera, diretor de vigilância de saúde do Paraguai em 1 de Maio. Naquele dia, 63 dos 67 casos confirmados no país eram de pessoas que tinham vindo do Brasil. Outros países que fazem fronteira com o país já expressaram sua preocupação com a expansão da covid-19 em meio ao aumento exponencial da turbulência política.

O Brasil não só é um gigante com 210 milhões de habitantes, tanto vítimas quanto transmissores potenciais do novo coronavírus, como um gigante liderado pelo vilão número um do mundo em pandemia. No domingo, mais uma vez, Jair Bolsonaro estimulou e compareceu a uma manifestação que clamava pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Os golpistas são minoria no país, mas estimulados pela família presidencial que tenta impedir o avanço das investigações sobre seu envolvimento com as milícias.

Enquanto as imagens de corpos empilhados e covas abertas se sucedem, Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro ensaiam um duelo sem honra: Moro, o herói decaído, tentando desinfetar sua biografia carregada de possíveis ilegalidades; Bolsonaro tentando sobreviver às revelações de seu ex-superministro, subitamente acometido por um surto de moralidade. Conta com o apoio dos generais encantados em voltar ao poder, algo até há pouco impensável num país em que milhares ainda não encontraram os corpos de seus familiares executados pela ditadura militar de 21 anos.

Ao mesmo tempo, a covid-19 vai devastando a Amazônia e converte cidades como Manaus em necrotério. Enquanto o vírus atinge o corpo dos indígenas, o corpo da floresta é destruído pelas motosserras. Os alertas mostram que o desmatamento da Amazônia explode, os caminhões enfileiram-se nas estradas carregados de cadáveres de gigantes.

Só algumas horas depois de Aldir Blanc, o Brasil perdia também Flávio Migliaccio, um dos atores mais queridos de gerações de brasileiros. Associado à alegria por milhões de fãs, ele se suicidou. 

Como Aldir Blanc escreveu: “O Brazil não merece o Brasil. O Brazil tá matando o Brasil”.

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Eliane Brum, no El País, Hoje.

A vida é tão rara

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Meu caminho
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é tempo que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo pra perder?
E quem quer saber? A vida é tão rara
Tão rara

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não

Será que é tempo que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo pra perder?
E quem quer saber? A vida é tão rara
Tão rara

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara
A vida não para não

A vida é tão rara

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