O sociólogo Alberto Carlos Almeida fez uma comparação chocante entre Brasil e Inglaterra, em artigo para o jornal Valor Econômico. Os ingleses ganham salários muito mais altos que os brasileiros. E mesmo assim recebem muitos tipos de auxílio diferentes, que aqui não existem. Alguns:
- bolsa funeral (R$ 2100 para ajudar no enterro de seu familiar, incluindo pagar flores, caixão, uma viagem de algum parente para o velório etc.)
- bolsa aquecimento no inverno (média de R$ 2400 por mês para ajudar você a se aquecer no inverno)
- bolsa necessidades especiais (para deficientes ou idosos, até R$ 1500 por mês)
- bolsa cuidador de quem tem necessidades especiais (R$ 720 por mês)
- bolsa aquecimento por painéis solares (até R$ 3600 por mês)
- seguro desemprego (R$ 720 por mês)
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Sempre que a oportunidade aparece, ressuscitam a campanha contra o Bolsa Família. O objetivo não é acabar com o benefício. É tão impossível quanto acabar com o salário mínimo, o Natal, o nascer do sol. As metas são outras: manter o Bolsa Família com o menor valor possível, enxovalhar a reputação de quem o recebe, influenciar a opinião pública para que se torne politicamente difícil a criação de outros benefícios semelhantes, e bater no governo. A quem interessa? Aos que têm outros destinos para o dinheiro dos nossos impostos.
Agora é o deputado Ricardo Barros, do PP do Paraná. Ele é o relator do orçamento federal de 2016. Vem sendo reconhecido na rua e até aplaudido, desde que propôs um corte de 35% no Bolsa-Família. O argumento dele é que 75% dos beneficiados declaram estar no mercado de trabalho. Claro, quem vai viver de Bolsa Família? O valor médio do benefício é R$ 167,00...
O orçamento previsto para o Bolsa Família, em 2016, é de R$ 28 bilhões. Barros propõe baixar para R$ 18 bilhões. São 14 milhões de famílias beneficiadas. Metade dos beneficiados são crianças e adolescentes. Barros faz marketing político rasteiro.
Mas ao propor o corte, dá margem para as questões habituais se arrastarem para fora da tumba: o Bolsa Família é bom? É justo? Não é um estímulo oficial à vagabundagem e à procriação destrambelhada? Não seria melhor deixar de lado essa política assistencialista, e focar na geração de empregos, verdadeira porta de saída dessa esmola? Não tenha dúvida: na próxima oportunidade que pintar, os mesmos de sempre voltarão a atiçar com desinformação os mesmos preconceitos. É bom estar preparado para retrucar.
A revista britânica Lancet publicou em 2013 um estudo que relaciona de forma conclusiva o Bolsa Família com a queda da mortalidade infantil. Dados de quase 3000 municípios brasileiros foram utilizados, no período entre 2004 e 2009. A Lancet é a mais tradicional publicação científica na área de saúde do planeta - existe desde 1823.
Nas cidades em que o programa tem alta cobertura, a queda geral na mortalidade infantil foi de 19,4%. Cruzando o Bolsa Família com causas específicas de morte, o impacto é ainda maior: queda de 65% nas mortes por desnutrição e 53% nas mortes por diarreia. O Bolsa Família, portanto, salva vidas.
É a solução para a pobreza? Claro que não. É uma operação de emergência, necessária hoje e todo dia. Como essas missões da Cruz Vermelha e dos Médicos Sem Fronteiras em zonas afetadas por desastres naturais ou guerras. Seu objetivo é imediatista. É salvar vidas em perigo. Vidas que enfrentam uma calamidade permanente: o miserê brasileiro, desastre que de natural não tem nada.
Aí chegamos a outra crítica comum ao programa: mas pra quê tanta criança? Essa mulherada sem vergonha não está parindo um filho atrás do outro, só pra garantir uma renda fixa?
A resposta é um grande não. A taxa de fertilidade do Brasil vem caindo rápido. Hoje é de 1,8 filhos por mulher, a mesma que o Chile, menos que os Estados Unidos (1,9). Está abaixo do nível mínimo de reposição da população (que é 2,1%). As mais pobres têm mais filhos? Sim, principalmente por ignorância e falta de acesso a métodos contraceptivos. Alguém acha mesmo que é a perspectiva de embolsar R$ 167,00 por mês que faz uma brasileira engravidar?
É evidente que se o mundo tivesse dois bilhões de pessoas, em vez de sete, estaríamos melhor na fita. Quanto menos pobre, menos pobreza... Mas o fato inquestionável é que as brasileiras têm cada vez menos filhos. E cada vez mais tarde, porque 40% das nossas conterrâneas entre 25 e 29 anos ainda não têm filhos.
Dilma foi rapidinho à TV assegurar a população que o Bolsa Família não será cortado. Fez bem. Sempre que essa papo ressuscita, acontece corre-corre. Parecem cenas de refugiados na África, se batendo por um galão de água, um saco de ração. Por que nossos compatriotas ficam tão desesperados com a possibilidade de ficar sem o Bolsa Família? Porque eles não recebem um monte de outros benefícios simultaneamente. Comparando com os países que tem a melhor qualidade de vida, o Brasil tem benefícios sociais minúsculos.
O sociólogo Alberto Carlos Almeida fez uma comparação chocante entre Brasil e Inglaterra, em artigo para o jornal Valor Econômico. Os ingleses ganham salários muito mais altos que os brasileiros. E mesmo assim recebem muitos tipos de auxílio diferentes, que aqui não existem. Alguns:
- bolsa funeral (R$ 2100 para ajudar no enterro de seu familiar, incluindo pagar flores, caixão, uma viagem de algum parente para o velório etc.)
- bolsa aquecimento no inverno (média de R$ 2400 por mês para ajudar você a se aquecer no inverno)
- bolsa necessidades especiais (para deficientes ou idosos, até R$ 1500 por mês)
- bolsa cuidador de quem tem necessidades especiais (R$ 720 por mês)
- bolsa aquecimento por painéis solares (até R$ 3600 por mês)
- seguro desemprego (R$ 720 por mês).
E muitos outros de todo gênero. Almeida destaca o bolsa criança, que paga R$ 1350 por mês para a família que tem uma criança (e mais uns R$ 1200 para o segundo filho etc.). Vale lembrar que a saúde pública inglesa é boa e gratuita, assim como a educação, em sua maior parte.
Por isso tudo, os ingleses são mais saudáveis e educados que os brasileiros, vivem mais e melhor que nós, em um país sem violência. Lá, os impostos são aplicados em benefícios que garantem uma vida mais saudável e segura. Quando alguém criticar o Bolsa Família, faça-lhe um favor: jogue esses dados na cara do infeliz. Nós, brasileiros, precisamos ter consciência do que funciona bem em outros países, para cobrarmos as mesmas leis aqui.
Certo que o Brasil não é a Inglaterra. Certeza que há dinheiro suficiente para ajudarmos nossos deficientes, idosos, crianças, desempregados e defuntos. Estão aí os estádios faraônicos que construímos para a Copa e construiremos para as Olimpíadas, molezas diversas para empresas próximas do poder, corrupção desenfreada (e multipartidária), benesses variadas para apadrinhados etc. O cobertor está mais curto que alguns anos atrás? Mais uma razão para priorizarmos as prioridades. Forçar a aplicação dos recursos que temos no que trará mais benefícios para nossa população. Nesse caso, é salvar vidas em perigo. Nem vou listar aqui os inúmeros trabalhos que mais e mais tornam evidente a importância de programas de renda mínima para o bom funcionamento da economia de cada país - fica para outra hora.
O PT explora politicamente o Bolsa Família? Claro, é isso que governos fazem, e oposição idem. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde, como nos ensinou Rubens Ricúpero. Aécio Neves até já disse que quem criou o Bolsa Família foi o PSDB. Não foi, mas criaram coisas parecidas. Lula, quando o Fome Zero não decolou, reempacotou os benefícios criados pelos tucanos, engordou um tanto o bolo, e marketou magistralmente. Minha sugestão é que os governos estaduais e municipais da oposição criem seus próprios bolsa isso e bolsa aquilo. Que bom se os políticos disputarem nosso voto nos dando dinheiro, em vez de tirar...
O questionamento do Bolsa Família mais furado de todos é o moral: é justo uma pessoa receber dinheiro, sem ter trabalhado por isso? Nem merece resposta, mas aqui está: a questão não é de justiça, é de isonomia. Os mais ricos já recebem bastante dinheiro sem trabalhar. Embolsam rendimentos de suas aplicações financeiras, aluguel de imóveis e tal. Acionistas de empresas recebem dinheiro sem trabalhar: os lucros. E herdeiros recebem dinheiro sem trabalhar, às vezes sem nunca ter trabalhado de verdade.
Muitas crianças brasileiras felizardas já têm seus futuros assegurados, graças ao que construíram seus pais ou avós. Nunca precisarão pegar no batente (e mesmo assim, como sabemos, muita gente abonada continua trabalhando, porque assim se sente realizada, produtiva, estimulada, ganha mais dinheiro ainda etc. Dinheiro é 100%, mas não é tudo...).
Na próxima vez que a campanha contra o Bolsa Família mostrar sua cara feia, ajude a cravar uma estaca em seu coração. O Bolsa Família não é nenhuma maravilha, mas é infinitamente melhor que nada. Tem que ser aplaudido, imitado, diversificado e expandido para pessoas que não têm família. Tem que ter o seu valor aumentado, bastante e rápido. Contra fatos, e vidas salvas, não há argumentos.
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