Lembro bem a cena, muitos anos depois. Em geral, episódios assim são alegres. Mas não era o caso.
Eu acabara de chegar ao pequeno e aconchegante apartamento de Júlia quando ela me contou a novidade. Estava grávida. Foi um acidente. Ela sempre usava diafragma. Quando estávamos a ponto de nos engalfinhar na cama, ela se levantava, caminhava no seu passo leve até o banheiro e, com a porta sutilmente entreaberta para que eu pudesse vê-la como se estivesse roubando a visão de uma cena intensamente erótica, colocava o diafragma.
Uma única vez não colocou, porque estávamos ansiosos demais. Essa vez foi suficiente. Júlia engravidou sem que quisesse. Sem que nenhum de nós quisesse.
Não houve grandes dilemas. Na verdade, não houve nenhum dilema. Júlia, quando me avisou que estava grávida, já tinha o telefone de uma clínica de aborto. Uma amiga que fizera um aborto ali lhe dera o número. Ela apenas me comunicou que não iria levar adiante a gravidez. Não existia entre nós um compromisso sólido o bastante para que tivéssemos um filho.
Lembro que ele estava convicta, ainda que seu olhos amendoados de mestiça de mãe japonesa e pai brasileiro traíssem tristeza. Os cabelos presos num rabo de cavalo contribuíam para dar a Júlia, uma mulher sempre tão decidida, um ar para mim inédito de menina frágil. Ela me disse que queria demais ter um filho, mas não naquela hora e não naquelas circunstâncias. Eu não tentei convencê-la de nada. Não sei se ela esperava que eu procurasse dissuadi-la. Nas poucas conversas posteriores que tivemos sobre o assunto, Júlia nunca se referiu a esse ponto específico.
Tudo que ela parecia esperar de mim era alguma ajuda financeira e moral. O preço era o equivalente a 500 dólares. Na época, final dos anos 80, com a hiperinflação crônica que assaltava os brasileiros, quase todos os preços estavam fixados em dólares. Inclusive o preço de um aborto. Levei-a à clinica, no dia marcado, e paguei todas as despesas. Alguns dias depois, já de volta a seu apartamento, Júlia me contou que era um menino.