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São Paulo – "Com essas duas músicas, a bucólica A Banda e a telúrica Disparada, o II Festival da TV Record mostrou para os brasileiros de todas as classes sociais a grandeza de sua música popular, um bem dotado do mais alto valor artístico do qual tinham por que se orgulhar." Com o parágrafo final do capítulo dedicado ao festival organizado pela Record em 1966 (o primeiro havia sido realizado em 1960), no livro A Era dos Festivais - uma parábola, o pesquisador Zuza Homem de Mello resume em certa medida o que foi a noite de 10 de outubro de 1966 – como neste ano, uma segunda-feira –, no teatro que funcionava na Rua da Consolação, região central de São Paulo.
Era o momento da decisão com as 12 finalistas, depois de três eliminatórias, em 27 e 28 de setembro e 1º de outubro. Nada menos que 2.635 canções haviam sido inscritas. Desde que foram apresentadas, A Banda, de Chico Buarque, e Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, concentraram as atenções do público. A música de Chico, um jovem ainda pouco conhecido, de 22 anos, foi interpretada por Nara Leão. A de Vandré, 31 anos, que acabara de ganhar o festival da Excelsior com Porta Estandarte (parceria com Fernando Lona), foi defendida por Jair Rodrigues, o que surpreendeu muita gente.
"Ninguém imaginava que o Jair Rodrigues fosse capaz daquele jeito", lembra Zuza. O intérprete tinha a justificada fama de brincalhão, o que levou Vandré a adverti-lo: Cachorrão (apelido de Jair), cuidado com a minha música, que é coisa séria. O cantor xingou o compositor, que se desculpou. Mas Jair, indicado por Hilton Acioli, do Trio Marayá, tinha muito mais que irreverência. Zuza destaca a "cancha" do intérprete, que começou a carreira como crooner no interior paulista e era capaz de cantar de tudo.
Em 2008, Jair Rodrigues diria compreender os motivos da desconfiança. "Cachorrão pra lá, Cachorrão pra cá, eu plantava bananeira... A minha imagem mudou a partir daí, de Disparada. Talvez a força das palavras do Geraldo me abriu a cabeça." Dona Conceição, mãe de Jair, profetizou: Essa musca (como ela pronunciava) é muito bonita, meu filho. Se você defender, você vai ganhar (o festival). No vídeo disponível no Youtube, ela aparece no palco da Record, enquanto Jair canta.
Disparada era "uma total novidade em todos os aspectos", em interpretação, arranjo, conteúdo, formato. "Não era visível que havia uma primeira e uma segunda parte", diz Zuza. Uma música comprida, "mas que a gente não sentia que era cumprida". Sem contar, acrescenta, o uso da famosa queixada de burro, que "dava uma conotação instrumental totalmente inusitada".
Ele vê A Banda como uma "canção visivelmente menor na obra de Chico Buarque, que foi crescendo numa dimensão extraordinária". A composição foi ficando "para trás", mas na época foi uma "febre", lembra Zuza, cantarolando um trecho. "Era uma música gostosa de ouvir e de cantar."